No geral, pessoas com traumas não conseguem se desvinciliar das lembranças do passado. Para melhorar, é preciso ressignificar os episódios traumáticos, mas nem sempre é um trabalho agradável.
Em uma reportagem do UOL publicada em 2020, o jornalista Carlos Minuano traz a história de Ísis (nome fictício), que sofreu uma tentativa de estupro na rua, aos 31 anos, em 2014. De uma hora para a outra, sua vida desabou. Ela sequer conseguia levar os filhos à escola, e passou a tomar remédios como escitalopram, fluoxetina, zolpidem, agomelatina e quetiapina, mas sem melhora.
Ísis foi uma das participantes do primeiro ensaio clínico do Brasil feito com MDMA, em 2018, que contou com participação de Bruno Rasmussen, diretor médico da Beneva. Em 15 semanas, os voluntários participaram de três sessões com MDMA. Na definição de Ísis, sua experiência foi catártica, e a ajudou a redefinir muitas questões de sua vida. Um ano depois do experimento, ela continuava bem, sem a ajuda de nenhum medicamento.
Como lembrou Rasmussen, na reportagem, os traumas precisam ser revistos, não adianta se esquivar. “Isso é curativo”, afirmou ele, lembrando que nem sempre os medicamentos tradicionais promovem esse efeito. “Eles fazem esquecer do problema jogando a questão numa névoa, dão um certo ânimo, energia para tocar a vida, mas o paciente segue arrastando aquela bagagem para sempre.”
Segundo o médico, com o MDMA e outros psicodélicos, é diferente. “Eles remexem, levantam a poeira e com ajuda dos terapeutas é possível ‘lavar a roupa suja’, falar sobre o problema”, explicou.
De acordo com o neurocientista Eduardo Schenberg, que comandou o estudo, o objetivo é obter a aprovação da Anvisa para realizar o tratamento, mas, para isso, mais pesquisas precisam ser feitas. “Não é um remédio que se pretende colocar no mercado, vendido na farmácia e que psiquiatras passarão a receitar, é uma metodologia que requer um aprendizado”, explicou Schenberg.
Nos Estados Unidos, os estudos com a substância já estão na fase 3 e uma aprovação federal deve ser obtida em breve, considerando que o MDMA é um potente aliado na cura de veteranos de guerra com transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), um problema crescente no país.
A reportagem também destacou os efeitos da ibogaína no tratamento de dependência química. Um estudo realizado na Unifesp, com publicação no periódico Journal of Psychopharmacology, analisou 75 pacientes, e constatou que, no total, 62% permaneceram abstinentes depois do uso da raiz de origem africana.
Mas, apesar das indicações de melhoras significativas, os psicodélicos ainda enfrentam o estigma da guerra às drogas, que associa essas substâncias ao perigo e à criminalidade, sem levar em consideração os estudos que comprovam sua eficiência.
“Quando comecei a divulgar resultados dos primeiros estudos com ayahuasca, lá na década de 1990, muitos colegas acharam que eu estava meio maluco, isso é consequência de uma cultura proibicionista muito forte que vem desde a década de 1970”, explicou o psiquiatra Dartiu Xavier, professor da Unifesp e consultor científico da Beneva. Com o avanço da ciência psicodélica, no entanto, as regulamentações precisam ser cada vez mais repensadas.