Fundador do centro de pesquisas psicodélicas da Universidade Johns Hopkins, um dos maiores do mundo, o psicofarmacologista Roland Griffiths foi diagnosticado com câncer no colo em estágio 4. Aos 76 anos, o pesquisador que, de acordo com o The New York Times, “expandiu o conhecimento sobre como podemos aprender a viver melhor”, está morrendo.
Apesar disso, ele não parece triste. Em entrevista ao jornalista David Marchese, do The New York Times, Griffiths compartilhou seu bom humor e os insights que a vida tem lhe trazido como um paciente terminal de câncer.
“Todos nós sabemos que somos terminais”, garante ele. “Portanto, acredito que, em princípio, não deveríamos precisar desse diagnóstico de câncer no estágio 4 para despertar. Estou animado para comunicar, para agitar as grades e dizer às pessoas: ‘Vamos, vamos acordar!’”
Sobre sua vida atual, ele não parece ter do que reclamar. Como notou o jornalista, ele fala do câncer como uma dádiva. “Minha vida nunca esteve melhor! Se me arrependi, é de não ter despertado antes de ter um diagnóstico de câncer. Tem sido incrível. Houve tantas coisas positivas: meu relacionamento com meus filhos, meus netos, meus irmãos, minha esposa”, explica.
Na conversa, o pesquisador respondeu se tem usado psicodélicos para lidar com a morte. Segundo ele, esse não era o seu desejo no primeiro momento, por achar que as substâncias poderiam interromper essa sensação de vitalidade que estava sentindo. Mas, com o tempo, ele começou a se questionar se existia algo que ele estava evitando, e que poderia ser interessante passar por uma sessão.
Em uma experiência pessoal com um psicodélico que ele não especificou, Griffiths diz que iniciou um diálogo interessante consigo mesmo:
— Existe algo com o qual não estou lidando?
— Não, a alegria que você está sentindo é grande. E é assim que deve ser — respondeu ele mesmo.
Então, o pesquisador decidiu fazer uma pergunta direcionada ao próprio câncer, reforçando que não vê a doença como uma parte separada sua. “Como metáfora, é uma maneira interessante de sondar essa questão”, explicou.
— O que você está fazendo aqui? O que você pode me dizer sobre o que está acontecendo? — perguntou ele ao tumor, sem obter uma resposta.
— Respeito muito você — insistiu o pesquisador, tentando humanizar o câncer. — Falo de você como uma bênção. Tenho tido uma sensação incrível de bem-estar e gratidão, apesar de tudo o que está acontecendo, e por isso quero agradecer. Esse processo vai me matar?
— Sim, você vai morrer, mas tudo está absolutamente perfeito — enfim, a resposta — há significado e propósito nisso, são coisas que vão além da sua compreensão, mas você está lidando exatamente como deveria lidar.
— OK, há propósito e significado. Não sou ingrato pela oportunidade, mas que tal me dar mais tempo? — brincou Griffiths, sem obter mais respostas.
Como lidar com experiências desafiadoras
Durante a entrevista, o próprio pesquisador chamou a atenção para o irônico fato de que seu primeiro estudo com psicodélicos foi com pacientes de câncer em estágio terminal, preocupados com o fim de suas vidas. O que ele concluiu, através dos dados do estudo, foi que um único tratamento com psilocibina ajudou a reduzir os sintomas de ansiedade e depressão.
De acordo com Griffiths, vários coisas que ele aprendeu com seu trabalho o ajudam agora neste momento de vida. “Já tratamos centenas de voluntários com psicodélicos e, antes das sessões, uma das coisas principais que ensinamos a eles é que, ao tomar um psicodélico, haverá uma explosão de experiências interiores. O que pedimos a eles é que fiquem com essas experiências – sejam interessados e curiosos. Você não precisa descobrir nada”, conta.
O truque, segundo o pesquisador, é lembrar que nem todas as experiências vão ser prazerosas, algumas também podem ser assustadoras. “A preparação que damos para essas experiências é dizer para ficarem com elas, serem curiosos e reconhecerem sua natureza efêmera”, explica. “A metáfora que usamos é, imagine que você está confrontado com o demônio mais assustador que você pode imaginar. Ele é feito por você, para você, para te assustar. (…) Se sua tendência natural é correr, ele pode persegui-lo durante toda a sessão. Mas se você ver isso como uma manifestação da sua própria mente, então você pode dizer: “Isso é assustador, mas vou investigar”.
O psicofarmacologista conclui a conversa compartilhando o que acha que todas as pessoas deveriam saber sem precisar de um diagnóstico de câncer: “Quero que todos apreciem a alegria e a maravilha de cada momento de suas vidas. Devemos ficar surpresos por estarmos aqui quando olhamos ao redor para a maravilha e beleza requintadas de tudo”.
Como diz Griffiths, “todos os dias há uma razão para comemorar o fato de estarmos vivos, de que temos mais um dia para explorar esse dom de estarmos conscientes, de estarmos cientes, de estarmos cientes de que estamos cientes. Esse é o profundo mistério sobre o qual continuo falando. Isso é para ser comemorado”.
Leia a entrevista completa em inglês aqui.
Imagem: reprodução.