“O que o psicodélico faz é te levar direto ao lugar mais escuro e ao lugar mais iluminado”, afirmou o ex-fuzileiro naval norte-americano Paul G., que viveu durante anos com depressão resistente, ansiedade e transtorno de estresse pós-traumático, e participou de um estudo com psilocibina. “Foi uma benção. Senti um alívio enorme. Isso me devolveu a esperança.”
O depoimento consta na edição de março da Stanford Magazine, que destacou o potencial terapêutico dos psicodélicos em sua capa. A reportagem, assinada por Tracie White, também aponta os riscos e a necessidade de estudos mais amplos que abordem o tema.
Entre as perguntas que ainda necessitam de resposta, a reportagem destaca: quais psicodélicos devem ser usados para quais pacientes? Qual é a importância do setting (o ambiente) e o uso de terapeutas para alcançar resultados positivos? Versões melhores e mais seguras dessas substâncias podem ser desenvolvidas?
A reportagem faz um panorama geral sobre a história dos psicodélicos e lembra que a primeira onda de pesquisas aconteceu nos anos 1950, com a sintetização do LSD pelo químico suíço Albert Hofmann. Estudos com a substância apresentavam resultados promissores no tratamento de questões como dependência de álcool, depressão e angústias associadas a doenças terminais.
Mas, a partir da década de 1960, com a intensificação de reportagens sensacionalistas que destacavam casos de psicose, acidentes mortais e suicídio, os estados norte-americanos foram restringindo cada vez mais o uso das substâncias psicodélicas, inclusive para pesquisa.
Na década de 1990, poucos estudos foram surgindo, até que em 2006 uma grande pesquisa da Universidade Johns Hopkins reacendeu o interesse da academia pelo tema, ao reforçar a segurança e os efeitos positivos de uma única dose de psilocibina.
Como detalhou Laura Hack, psiquiatra da Universidade Stanford, essas substâncias reorganizam os padrões do cérebro.
“Durante a terapia psicodélica, a ideia é que, com a mente em um estado alterado, as pessoas consigam ser mais capazes de enfrentar tópicos difíceis. Pode ser muito duro pensar em memórias traumáticas durante a terapia, porque você revive o trauma. Por isso, as taxas de abandono das terapias focadas no trauma podem chegar a 50% porque é muito difícil. Já com o efeito dos psicodélicos, aliado à terapia, o paciente se sente mais seguro, a dor fica amenizada, você consegue criar novas memórias”, explica a psiquiatra, lembrando que os resultados são quase instantâneos.
O ex-fuzileiro naval Paul G. lembra que, sob o efeito da psilocibina, ele começou a ver as coisas mais vívidas e intensas, tanto as sombras quanto as luzes. “O que mais me surpreendeu é que, quase simultaneamente, uma parte de mim via essa escuridão desesperada e desolada, e a outra parte via o que só posso descrever como uma bela luz ofuscante. Eu podia ver a beleza dentro de mim. E acho que isso é algo que neguei durante toda a minha vida, a grandiosidade interna da vida”, contou ele, que compartilhava sua experiência com dois terapeutas.
As imagens dos fuzileiras navais mortos que surgiam em sua mente o ajudaram a criar uma nova história para o seu passado e o seu presente. De acordo com Paul, foram rompidos muitos padrões de pensamentos negativos, o que pôde ser verificado nas imagens de scanner cerebral feitas pelos cientistas.
“O que observamos com as varreduras de Paul foram muitas conexões em uma área do cérebro chamada de rede de modo padrão”, explicou a neurocientista Leanne Williams, da Universidade Stanford, referindo-se a uma parte do cérebro em que o aumento da conectividade pode resultar em pensamentos negativos. “Penso na analogia de quando você está em seu carro, em ponto morto e em marcha lenta. Você está tentando ir a algum lugar, mas o carro está preso”, ilustra a pesquisadora, explicando que, se fosse um carro, nas varreduras feitas depois da experiência de Paul, a rede de modo padrão estaria solta, livre para se mover. “É visível, a mudança.”
No final, o veterano contou que não foi fácil lidar com sua própria mente durante seis horas, mas o resultado compensou. “Não foi uma experiência divertida. Mas depois me senti tão bem. Eu me senti livre, esperançoso, feliz. Foram anos vivendo em um inferno imposto por mim mesmo. Ainda há um medo, tipo ‘quando é que eu vou voltar a cair?’. Mas já se passaram meses e me sinto bem. Eu me sinto forte. Estou muito melhor.”
Leia a reportagem na íntegra, em inglês, clicando aqui.
Imagem: Reprodução.