Flávio Migliaccio tinha 85 anos quando resolveu tirar a própria vida. Sucesso em novelas como “Senhora do Destino”, “Rainha da Sucata” e “A Próxima Vítima”, antes de morrer, o ator já reclamava da perda de visão, de memória e de esperança com o futuro do Brasil. O suicídio de um ator reconhecido e bem-sucedido pode ser um choque, mas mostra que qualquer pessoas está sucetível ao sofrimento mental.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde, assim como Migliaccio, mais de 700 mil pessoas morrem por ano no mundo devido ao suicídio, uma média de 1 morte a cada 40 segundos. Trata-se da quarta maior causa de morte em jovens entre 15 e 29 anos. Além disso, estima-se que, para cada pessoa que morre por suicídio, outras 20 pessoas tentaram pôr um ponto final em suas vidas e não conseguiram.
Por ser um fenômeno influenciado por fatores que transcendem o psicológico, é impossível apontar uma causa única para sua ocorrência. Por isso, vários setores devem trabalhar em conjunto para que a prevenção seja bem sucedida.
No Brasil, os números do suicídio cresceram 11,8% em 2022, na comparação com o ano anterior, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Em 2022, foi observada uma média de 44 mortes do tipo por dia, com 16.262 registros.
Uma das explicações para o aumento, segundo o professor Antonio Augusto Pinto Junior, do Departamento de Psicologia da Universidade Federal Fluminense (UFF), é a pandemia de covid-19. “Essas experiências deflagradas pela pandemia impactaram, de forma significativa, a saúde mental em função dos riscos físicos e psicossociais, tornando o sofrimento psíquico muito mais agudo, desencadeando o declínio do sentimento de vida e de uma sensação de vazio que, geralmente, acompanham o comportamento suicida”, explicou o professor à Agência Brasil.
Por preconceitos relacionados aos cuidados com a saúde mental, muitas pessoas sofrem em silêncio, sem buscar ajuda.
“Mais que números, são vidas que perdemos. Esse aumento só reforça a necessidade de focarmos cada vez mais na prevenção, todos nós, porque é apenas conversando, falando, quebrando tabus e permitindo que as pessoas desabafem, entendam que é tudo bem não estar bem, que a gente nem sempre está legal, que é ok pedir ajuda, que vamos mudar este cenário”, afirmou a porta-voz do Centro de Valorização da Vida (CVV) Leila Herédia.
É preciso lembrar, no entanto, que o suicídio não é causa exclusivamente do indivíduo, o qual, muitas vezes, é precebido como “fraco”. Questões sociais, culturais e econômicas também podem desencadear o surgimento de transtornos mentais. Não à toa, em 2023, o governo anunciou o investimento de R$ 414 milhões no período de um ano para os serviços residenciais terapêuticos (SRT) e para os centros de atenção psicossocial (Caps).
“As pessoas ainda têm uma visão de que o suicídio é uma escolha e que a pessoa está consciente, tendo uma escolha livre. Alguém que está inundado de dor e sofrimento não tem uma escolha livre, não é assim que funciona”, explicou a psicóloga Karen Scavacini, ao Instituto Humanitas.
Promover um diálogo aberto acerca desse assunto representa um passo crucial para desmantelar estigmas arraigados, disseminar conhecimento essencial e, acima de tudo, impedir que mais indivíduos se vejam desprovidos de significado em suas jornadas.
É possível encontrar alívio para questões como pensamentos suicidas. Estudos mostram que substâncias como a cetamina, por exemplo, atuam de forma mais rápida do que medicamentos tradicionais na atenuação desses sintomas, o que é essencial nesses casos, segundo a National Action Alliance for Suicide Prevention.
Além disso, existem diversos canais que podem oferecer auxílio, a exemplo do CVV, que realiza apoio emocional gratuito através de telefone, email e chat; o Mapa da Saúde Mental, que apresenta locais de atendimento on-line e presencial em todo o país; e o Pode Falar, um projeto da Unicef que busca auxiliar jovens de 13 a 24 anos.
Imagem: Pexels/ Lachlan Ross