A morte do ativista Paulo Vaz, conhecido como Popó, chocou a comunidade LGBTQIA+ em 2022. Um dos poucos homens trans a ocupar o cargo de investigador da Polícia Civil de São Paulo, Popó — que lutava para que mais pessoas como ele pudessem se sentir confortáveis na corporação — se viu inundado por ataques transfóbicos, depois do vazamento de um vídeo íntimo de seu companheiro. De acordo com fontes não oficiais, Popó deu um fim à própria vida. E, apesar do suicídio nunca ter uma causa única, as pessoas não puderam deixar de conectar os ataques ofensivos com a fatalidade.
“A internet nunca foi um ambiente seguro para pessoas trans. Nossa saúde mental sempre foi alvo de ódio, da dor e da transfobia de vocês, pessoas cis. São comentários, tweets, dedos apontados e julgamentos que, por mais resistentes que sejamos, acabam com o nosso dia ou vida”, escreveu, na ocasião, a historiadora Giovanna Heliodoro.
Devido ao preconceito e à falta de informações, pessoas LGBTQIA+ enfrentam desafios significativos na busca por aceitação, igualdade e bem-estar mental. Não à toa, de acordo com a organização The Trevor Project, uma das maiores instituições dedicadas à saúde mental de pessoas LGBTQIA+ dos EUA, 45% dos jovens LGBTQIA+ norte-americanos “consideraram seriamente o suicídio” em 2021, outros 14% atentaram contra a própria vida pelo menos uma vez.
No Brasil, não existem dados oficiais sobre o tema, mas o problema persiste. A rejeição e o desamparo emocional que podem surgir com a não aceitação de amigos, família ou sociedade podem ser catalisadores de condições graves como depressão, ansiedade e transtorno do estresse pós-traumático. Além disso, a exposição a discursos de ódio e a violência direcionada contra a comunidade LGBTQIA+ ajudam a agravar esses problemas.
Desde 2019, a LGBTfobia é considerada crime imprescritível no Brasil, com punição de 1 a 3 anos de prisão, sem fiança. Mesmo assim, o país é o que mais mata pessoas LGBTQIA+ no mundo. De acordo com o Grupo Gay da Bahia (GGB), pelo menos 256 lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transgêneros foram vítimas de morte violenta em 2022. Análises de notícias apontaram 242 homicídios e 14 suicídios ao longo do ano passado, configurando uma morte a cada 34 horas.
“Eu considero que todo LGBT que se mata tem sua orientação sexual ou identidade de gênero como um fator se não determinante exclusivo para a prática. Porque a nossa sociedade é extremamente intolerante, homofóbica e faz com que esse grupo se sinta sempre olhado, perseguido e discriminado”, afirmou, ao portal Metrópoles, o antropólogo Luiz Mott, fundador do GGB.
O nível de estigma leva ativistas e pesquisadores a refletirem sobre os próprios termos usados para se referir aos casos de suicídio entre pessoas LGBTQIA+.
Há alguns anos, por exemplo, a expressão “suicidado” ganhou notoriedade com a morte do modelo Demétrio Campos, um homem trans, negro e periférico, que, aos 23 anos, tirou sua vida, no dia 17 de maio de 2020, Dia Internacional da Luta Contra a LGBTQIA+fobia.
“O termo ‘suicidado’ surge para mostrar que essas vidas [LGBTQIAPN+, negras, periféricas] não são representadas, elas não existem socialmente. Vivemos em uma sociedade que não reconhece a cidadania LGBTQIAPN+ e, principalmente, de indivíduos transgêneros. Você tem um acúmulo de situações estruturais, como a evasão escolar, dificuldade para adentrarem no mercado de trabalho, abandono familiar, exclusão social e impeditivos para o processo transexualizador. Todas essas violências são responsáveis”, explicou ao IG Queer, o pesquisador Marcelo Hailer, do Inanna (Núcleo de Pesquisas sobre Sexualidades, Feminismos, Gêneros e Diferenças), da PUC-SP.
A morte por suicídio de uma pessoa LGBTQIA+ não significa necessariamente uma desistência da vida. Entre tantos outros fatores, isso pode significar também o abandono da própria sociedade e o descaso com vidas que não seguem os padrões de orientação sexual e gênero.
É possível encontrar alívio para questões como pensamentos suicidas. Estudos mostram que substâncias como a cetamina, por exemplo, atuam de forma mais rápida do que medicamentos tradicionais na atenuação desses sintomas, o que é essencial nesses casos, segundo a National Action Alliance for Suicide Prevention.
Além disso, existem diversos canais que podem oferecer auxílio, a exemplo do CVV, que realiza apoio emocional gratuito através de telefone, email e chat; o Mapa da Saúde Mental, que apresenta locais de atendimento on-line e presencial em todo o país; e o Pode Falar, um projeto da Unicef que busca auxiliar jovens de 13 a 24 anos.
Imagem: Pexels/ Anete Lusina