A revista norte-americana Newsweek, uma das semanais mais influentes do mundo, falou sobre a urgência em debater o tratamento com ibogaína para dependência, destacando o trabalho do Dr. Bruno Rasmussen, diretor médico da Beneva, que faz tratamentos a base de psicodélicos desde os anos 1990.
No artigo, a presidente da marca de bebidas à base de cannabis House of Saka, Cynthia Salarizadeh, reforçou que uma sociedade com problemas de dependência em opioides não pode se dar ao luxo de ignorar um tratamento efetivo contra o transtorno.
Leia a tradução do artigo publicado:
A luta contra a dependência em opioides é uma constante na sociedade moderna. Eu sei de forma pessoal, porque isso matou meu irmão mais novo. Na verdade, essa perda trágica é a razão para eu trabalhar tanto com cannabis quanto com psicodélicos.
Hoje, apesar dos inúmeros tratamentos convencionais disponíveis, muitos pacientes ainda lutam para encontrar uma solução eficaz para superar a dependência. Mas nem todos conseguem: em 2021, mais de 106.000 pessoas morreram de overdose causada pelo abuso de opioides nos Estados Unidos.
Então, por que nossa sociedade resiste tanto ao uso de psicodélicos, que poderia ser uma opção revolucionária no tratamento de dependências?
É o caso da ibogaína, substância extraída da planta iboga. Estudos, como este do NIH, mostram que o psicodélico é eficaz na redução da fissura e sintomas de abstinência, sendo um importante aliado para os pacientes quebrarem o ciclo de dependência. Devido ao prejuízo social que a dependência causa, não podemos continuar a fechar os olhos para tratamentos com tanto potencial. Por isso precisamos falar sobre a ibogaína.
Ibogaína para tratar a dependência
Os cientistas pesquisam a utilidade da ibogaína no tratamento de dependência há mais de 50 anos. Tudo começou em 1962, quando Howard Lotsof acidentalmente descobriu os efeitos antiviciantes da substância. Depois de tomá-la, ele parou de usar heroína sem apresentar sintomas de abstinência. Dos seis amigos que tomaram ibogaína com ele naquela noite, também dependentes de heroína, apenas um teve uma recaída.
Não é difícil entender por que Lotsof seguiu uma carreira de pesquisa em torno da substância depois disso. Seus trabalhos incluem alguns estudos de caso das décadas de 1980 e 1990, que relataram que a maioria dos pacientes foi desintoxicada após a terapia com ibogaína.
Pessoas como Boaz Wachtel, co-autor de um artigo com Lotsof, começaram a tratar a dependência química usando ibogaína no início dos anos 90. “Temos usado [ibogaína] nos últimos 20 anos para tratar o vício”, disse ele em uma entrevista de 2008. “[A Ibogaína] permite lidar com os traumas de uma forma muito construtiva; é como uma catarse psiquiátrica.”
Vários outros estudos confirmaram os efeitos antiviciantes da ibogaína. Um estudo de 2017 de Alan Davis, da Universidade John Hopkins, observou que 80% dos pacientes tratados com a substância conseguiram erradicar ou reduzir drasticamente a síndrome de abstinência.
Outro relatório mostrou que a maioria dos participantes não apresentava sinais de síndrome de abstinência ou vontade de usar. Ambos os efeitos são essenciais para tirar as pessoas do ciclo do vício.
Em 2020, o ICEERS iniciou um ensaio clínico de fase 2 para explorar o potencial da ibogaína para o tratamento da dependência de opioides; a conclusão está prevista para 2023. O trabalho em questão aborda os riscos da ingestão de ibogaína e destaca a importância de fazer os tratamentos dentro do quadro legal, em contexto hospitalar e sob a supervisão de profissionais de saúde. Essa recomendação nos ajuda a entender a resistência que vemos contra os tratamentos com ibogaína, mesmo entre os médicos.
Às vezes, a ingestão de ibogaína pode levar a alterações no ritmo cardíaco por meio do prolongamento do intervalo QT – o tempo entre os batimentos cardíacos. Estudos mostram que, dependendo da dose, características pessoais e combinações com outras drogas, essas alterações podem ser perigosas.
De fato, existem alguns relatos de mortes associadas ao consumo de ibogaína. É por isso que veículos como Time e Wired publicaram reportagens sobre o psicodélico, tratando-o tanto como uma droga promissora quanto como uma espécie de “droga da morte”.
Essas reportagens ajudaram a cristalizar a ideia de que a ibogaína carrega um grande risco de fatalidade. Mas elas podem não estar alinhadas à ciência.
Em 2012, Kenneth Alper publicou um estudo no qual analisou as mortes associadas à ibogaína. O trabalho revelou que as pessoas que morreram haviam ingerido a substância com outras drogas, como cocaína, álcool e opioides — em alguns casos na mesma hora ou no mesmo dia.
Sabe-se que essas substâncias também causam prolongamento do intervalo QT e, portanto, nunca devem ser misturadas à ibogaína. Além disso, Alper observou que nenhuma das fatalidades envolvia o uso de ibogaína sob supervisão médica e em ambientes apropriados e que algumas das pessoas tinham comorbidades que representavam contra-indicações objetivas para o uso da substância.
Em outras palavras, as mortes comumente atribuídas à ibogaína foram, na verdade, associadas ao uso da substância, mas não necessariamente causadas por ela. As evidências indicam que essas fatalidades ocorreram por uso impróprio.
A OMS estima que 1,3 milhão de pessoas morrem em acidentes de trânsito a cada ano. Na verdade, os carros são potencialmente perigosos. Para mitigar o risco, as pessoas precisam de carteira de motorista e cumprir as leis de trânsito. Mas ninguém vê pessoas defendendo o fim do uso de carros por causa dessas fatalidades.
Da mesma forma, se a ibogaína for usada seguindo protocolos, com supervisão médica adequada, em ambiente hospitalar, há uma grande probabilidade de seu uso ser seguro.
Em novembro, tive a oportunidade de conhecer um dos médicos mais experientes no tratamento de ibogaína para dependência, Dr. Bruno Rasmussen. Desde 1994, ele já realizou mais de 2.500 tratamentos com a substância e afirma nunca ter tido nenhum incidente grave. Atualmente, ele é diretor médico das Clínicas Beneva, no Brasil, onde as leis permitem procedimentos com ibogaína.
“A ibogaína é uma ferramenta poderosa para tratar a dependência, mas não é para todos e deve ser usada de forma adequada. Primeiro, é necessária uma extensa avaliação clínica e psiquiátrica para identificar possíveis comorbidades e contraindicações”, disse o médico em um podcast.
“Também é essencial eliminar as interações medicamentosas de risco. Os usuários de estimulantes precisam estar limpos por pelo menos 30 dias antes da terapia com ibogaína”. E acrescenta: “Quaisquer efeitos adversos que possam surgir são facilmente controlados quando temos o paciente devidamente monitorado no hospital”.
Mas, claro, isso só é possível porque o Brasil permite que ele faça isso legalmente. E aqui volto à tese principal: precisamos falar sobre a ibogaína e como regulá-la a fim de combater a epidemia de opioides que afeta os EUA.
Para alguns médicos, a pesquisa atualmente disponível fornece o suficiente para explorar os regimes de tratamento, e a opção de usar a ibogaína como parte do tratamento da dependência de opioides pode fazer parte do enfrentamento do problema nos EUA.
Acredito que devemos seguir o exemplo do que está sendo feito no Colorado e no Oregon em relação aos psicodélicos. Não podemos nos dar ao luxo de ignorar essa alternativa enquanto milhares de norte-americanos continuam morrendo a cada ano por causa do vício.
Para ler a versão original do artigo, em inglês, clique aqui.
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