Terminou no dia 23 de junho a maior conferência sobre ciência psicodélica já realizada, a Psychedelic Science 2023, que aconteceu em Denver (EUA), contando com mais de 400 palestras e cerca de 12 mil inscritos — um aumento significativo em relação à última edição, de 2017, que contou com 3 mil participantes.
Entre os presentes, destacaram-se pesquisadores e lideranças brasileiras, que se beneficiam do fato do Brasil ser um dos poucos países a contar com o uso de um psicodélico permitido por lei: a ayahuasca.
“Em 2017, durante a última edição da conferência, fazendo um paralelo com o sucesso brasileiro no surfe, surgiu essa brincadeira sobre uma ‘brazilian storm’ (tempestade brasileira) de cientistas psicodélicos, pelo visto esse ano a onda será ainda maior”, afirmou à revista CartaCapital o neurocientista Stevens Rehen, do Instituto D’Or e UFRJ, que falou no evento sobre suas pesquisas, que analisam os efeitos dos psicodélicos em “minicérebros”.
A comoção não é à toa. Em 2021, um levantamento publicado no Journal of Psychoactive Drugs classificou o Brasil em terceiro lugar num ranking de impacto científico no campo de estudos com psicodélicos, atrás somente dos EUA e Reino Unido.
Além de Rehen, o público do evento pôde aprender também sobre o trabalho dos cientistas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, um dos principais pólos de estudos da área no país. Entre eles, o neurocientista Sidarta Ribeiro, que falou sobre a relação dos psicodélicos com os sonhos; a bióloga Nicole Coelho-Galvão, que detalhou os efeitos antidepressivos da ayahuasca; e o físico Dráulio que se aprofundou na “base neural dos efeitos agudos” do chá amazônico.
Mostrando a diversidade da ciência nacional, a psicóloga Isabel Wiessner e o psiquiatra Luís Fernando Tófoli, da Unicamp, também falaram sobre a publicação de um estudo inédito no Brasil sobre criatividade, memória e cognição que envolveu LSD. Como afirmou Wiessner, ao site Ciência Psicodélica, “ter esse estudo com placebo, controlado, bem feito em laboratório, revela que o Brasil também é capaz de fazer pesquisa de nível internacional, comparado ao que vem sendo produzido em centros da Europa e dos Estados Unidos”.
Mas não foi só a área médica que levou seus conhecimentos ao Psychedelic Science 2023. Pesquisadores das ciências sociais também contribuíram com suas reflexões.
Como escreveu o jornalista Marcelo Leite, no blog Virada Psicodélica, da Folha de S.Paulo, a antropóloga Bia Labate, cofundadora do Instituto Chacruna, com sede em São Francisco, registrou a baixa representatividade indígena em um evento que discute os saberes tradicionais e que “muita gente do mundo rico viaja para o Sul em busca de medicinas vegetais, movida não raro por fetichização, sem interesse genuíno em aprender com os locais”.
O sociólogo Glauber Loures de Assis, diretor associado do Chacruna Latinoamérica, também reforçou a importância de incluir pessoas negras, indígenas e a comunidade LGBTQIA+ nas discussões sobre o renascimento psicodélico. “Talvez, a maneira mais rápida de avançar seja indo devagar”, afirmou.
O evento, que terminou com um protesto de grupos indígenas, contou ainda com a presença de importantes lideranças como Nixiwaka Biraci, do povo Yawanawá, e Leopardo Yawa Bane, do povo Huni Kuin, ambos da Amazônia brasileira. “Quando vocês nos respeitarem e apoiarem nossas iniciativas, aí sim vamos fazer a cura do planeta”, reforçou Biraci, no registro feito pelo site Psicodelicamente.
Como ficou evidente na conferência que celebrou o saber científico, o renascimento psicodélico não fará sentido se não contemplar todos os saberes que contribuem para o entendimento dos psicodélicos.
Imagens: Tarso Araújo/ Beneva