Nos últimos anos, é possível observar um aumento no número de pesquisas que mostram a capacidade das bactérias presentes em nosso organismo de exercer influência sobre o estado mental. É o que os pesquisadores chamam de “eixo microbiota-intestino-cérebro”, uma conexão que impacta não apenas as alterações de humor, mas também a memória, a cognição, o desenvolvimento do cérebro e até o comportamento social.
A relação entre o estresse e a microbiota intestinal (o conjunto de organismos que vivem no nosso organismo, como as bactérias) foi descrita pela primeira vez em 1974, quando pesquisadores observaram que camundongos estressados apresentavam menos quantidade de lactobacilos no intestino.
Nos anos seguintes, mais evidências mostraram que pessoas diagnosticadas com depressão tendem a possuir no organismo uma mistura de bactérias diferente daquela observada em pessoas que não têm essa condição. Ou seja, é possível que o desequilíbrio da microbiota intestinal influencie de forma significativa a condição mental.
Como escreveu o nutrólogo Dan Waitzberg, professor da Faculdade de Medicina da USP, na Veja Saúde, esse desequilíbrio “resulta no aumento da inflamação pelo corpo, na ativação de uma resposta imune e na alteração de níveis de neurotransmissores como a serotonina, provocando mudanças no cérebro, no humor e no comportamento”. Sim, é um círculo vicioso, lembra ele.
Para tentar entender como funciona o equilíbrio da microbiota, cientistas do mundo inteiro têm se dedicado a estudar o uso de suplementos que garantem o fornecimento das bactérias necessárias para o nosso bem-estar, são os chamados probióticos.
Em 2022, um estudo publicado na Nature Communications mostrou que a microbiota fecal de 2.593 humanos com sintomas depressivos apresentou 12 gêneros de bactérias e uma família microbiana que podem influenciar a depressão em humanos. As bactérias identificadas são aquelas envolvidas na síntese de glutamato, butirato, serotonina e GABA, os principais neurotransmissores relevantes para a depressão.
“Uma diminuição no número de bactérias envolvidas na produção destes neurotransmissores poderia afetar a disponibilidade deles, e este seria um possível mecanismo permitindo que a microbiota interfira na saúde mental”, escreveu, na revista Questão de Ciência, Luis Gustavo Almeida, doutor em microbiologia, lembrando da importância de ressaltar o fato de que não existe uma causa única para a depressão, e que correlação não indica causa e efeito.
Outro estudo, publicado no periódico Neurobiology of Stress, mostrou que o uso do probiótico Bifidobacterium breve CCFM1025 por cinco semanas minimizou comportamentos semelhantes à depressão e ansiedade, além de reequilibrar a microbiota intestinal, aumentando a produção de gorduras que alimentam as “bactérias boas” e de um precursor da serotonina. Ainda que o estudo seja experimental, os pesquisadores mostraram que o probiótico desempenhou um efeito sobre o sistema nervoso semelhante ao obtido pelos antidepressivos.
Com base em estudos semelhantes a esse, cunhou-se o termo “psicobiótico” para reforçar o impacto terapêutico destes probióticos.
É preciso levar em consideração, no entanto, que o funcionamento dos probióticos varia de acordo com cada pessoa, uma vez que depende da dieta e da interação com espécies já estabelecidas no intestino. Como lembra Waitzberg, ainda não existe consenso entre os especialistas sobre a dose necessária a ser consumida para obter benefícios. “De qualquer forma, já temos evidências de que a suplementação de cepas específicas com essas propriedades poderá beneficiar pessoas que sofrem de estresse crônico, ansiedade, depressão e outros transtornos psíquicos”, conclui.
Imagem: Yaroslav Shuraev/ Pexels