A permissão para o uso legal de psicodélicos já é realidade em algumas partes do mundo. Mas o valor das sessões parece não ser acessível a grande parte das pessoas.
Em maio, as autoridades de saúde do Oregon (EUA) concederam a primeira licença oficial para o uso de cogumelos psicodélicos em um centro de serviços sem necessidade de prescrição médica. A primeira iniciativa do tipo em solo norte-americano, no entanto, enfrenta críticas, já que as sessões terapêuticas possuem um valor alto, até para os padrões dos EUA.
Como escreveu o jornalista Marcelo Leite, no blog Virada Psicodélica, da Folha de S.Paulo, nas sessões de microdose oferecidas pela clínica Epic Healing, as opções mais baratas custarão US$ 300 (cerca de R$ 1.500), em sessões de grupo com cinco pessoas, e US$ 500 (R$ 2.500), na modalidade individual — lembrando que a microdose (que varia entre 100 e 400 miligramas) não produz efeitos psicodélicos perceptíveis.
Já as doses cheias, que produzem os efeitos terapêuticos estudados em diversas pesquisas atuais (que variam entre 2,5 e 4 gramas), custarão US$ 3.500 (mais de R$ 17 mil).
“Por esse preço um americano consegue pagar sete dias de retiro com duas sessões de ayahuasca na Costa Rica, dormindo num bangalô com cama queen, pensão completa e traslado do aeroporto. Apesar da conta salgada, a Epic espera atender os primeiros clientes já no mês que vem”, escreveu Leite.
A ideia do modelo do Oregon é ser uma alternativa ao monopólio biomédico, já que não é preciso ser médico nem psicólogo para obter um registro a fim de administrar a substância. Mas os custos para se tornar um facilitador podem chegar a US$ 20 mil. E, se a pessoa quiser abrir o seu próprio negócio, terá que arcar com uma licença de US$ 10 mil. “Não espanta que apenas cinco registros de facilitador tenham sido expedidos pela Autoridade de Saúde de Oregon (OHA)”, lembrou Leite.
O problema é o mesmo na Austrália, que no início de 2023 se tornou o primeiro país do mundo a autorizar o uso terapêutico de MDMA e psilocibina a nível federal. A medida só passa a valer a partir de 1º de julho, mas especialistas já estimam que os preços serão proibitivos.
“Para o paciente, o custo do tratamento poderá ficar entre $ 25 mil e $ 30 mil [em dólares australianos, ou cerca de R$ 83 mil e R$ 100 mil]”, disse, ao The Sidney Morning Herald, o Dr. Stephen Bright, professor sênior da Edith Cowan University e diretor da organização Psychedelic Research In Science & Medicine.
Um dos motivos para o alto custo é que a agência governamental Therapeutic Goods Administration (TGA, o equivalente à Anvisa) não aprovou nenhum produto contendo psilocibina ou MDMA para uso na Austrália, ou seja, os psiquiatras terão que obter e fornecer medicamentos não aprovados por conta própria.
Sem subsídio do governo, os especialistas também estimam que o treinamento para se tornar um prescritor possa chegar a $ 35 mil (cerca de R$ 116,7 mil). Além disso, a exigência para se ter uma equipe multidisciplinar para cuidar das sessões também poderá encarecer o tratamento.
“Sinceramente, não acho que, nos próximos 12 ou 18 meses após 1º de julho, esses tratamentos estarão amplamente disponíveis. Os controles rígidos da terapia significam que poucos psicólogos vão se interessar. Algumas clínicas serão abertas, mas não acho que veremos as comportas se abrirem”, afirmou Bright.
De acordo com a reportagem, os valores astronômicos para pessoas comuns levam os especialistas a acreditarem que, pelo menos nos estágios iniciais, os tratamentos psicodélicos não serão acessíveis ao grande público.
“O TGA colocou a Austrália na vanguarda do mundo e precisamos aproveitar essa oportunidade ao máximo”, acredita o professor Chris Langmead, do Instituto Monash de Ciências Farmacêuticas.
Os psicodélicos se mostram cada vez mais como ferramentas potentes no tratamento de males do século, como a depressão, a ansiedade e o transtorno de estresse pós-traumático. Apesar da boa vontade da comunidade psicodélica, os custos previstos mostram que é preciso debater com urgência a acessibilidade dos tratamentos, a fim de que essas substâncias promissoras não fiquem restritas apenas a uma pequena parcela da população.
Leia a reportagem completa do jornalista Marcelo Leite, no blog Virada Psicodélica aqui. Para ler a reportagem original do The Sidney Morning Herald, clique aqui.
Foto de Marek Piwnicki/ Pexels