O monge budista Matthieu Ricard acredita que cada ser humano possui uma “pepita de ouro” dentro da mente, um núcleo de qualidades positivas que está enterrado sob emoções negativas. Essa seria, segundo ele, a causa dos nossos sofrimentos. “O ouro, em si mesmo, não perde sua pureza intrínseca, mas seu valor não é atualizado. Igualmente, se quisermos que o nosso potencial humano se exprima em sua plenitude, ele deve encontrar as condições adequadas ao seu desenvolvimento. O mesmo ocorre com a semente: ela deve ser plantada num terreno fértil e suficientemente úmido”, escreveu Ricard, no livro “Cérebro e Meditação” (Ed. Alaúde), em parceria com o cientista Wolf Singer.
Esse tipo de percepção sobre a realidade ajudou a fazer com que Ricard passasse a ser considerado o “homem mais feliz do mundo”, depois que um estudo neuronal da Universidade de Wisconsin avaliou e comparou seus níveis de estresse, irritabilidade, prazer e satisfação. De acordo com o monge budista, o bom desempenho de suas habilidades emocionais são decorrentes de um treinamento intenso: a meditação.
Muitas pesquisas dão embasamento a Ricard. Um conhecido estudo conduzido pelo psiquiatra John J. Miller, da Universidade de Massachusetts, por exemplo, acompanhou pessoas com ansiedade por três anos seguidos, e concluiu que a meditação de atenção plena (ou “mindfulness”) pode ter efeitos benéficos a longo prazo no tratamento de pessoas diagnosticadas com transtornos de ansiedade.
Outro estudo, conduzido pela psiquiatra Elizabeth Hoge, da Universidade Georgetown, comparou a técnica de mindfulness com o medicamento escitalopram durante oito semanas em 276 adultos com ansiedade, e concluiu que a meditação não foi inferior ao antidepressivo. “O problema é que muitos pacientes têm dificuldade para comprar os remédios, alguns podem não responder bem ao tratamento e outros podem sofrer com os seus efeitos colaterais”, disse ao Jornal da USP o psicólogo Rubens Maciel, da USP, que não participou do estudo. “É preciso observar que a meditação da atenção plena é apenas um primeiro passo dentro de um caminho muito mais longo que te leva ao autoconhecimento.”
Alguns estudos sugerem que a meditação também pode ser útil em outros aspectos, como no cultivo da inteligência emocional. O pesquisador Philippe Goldin, da Universidade Stanford, mostrou, através de imagens cerebrais, que a meditação pode ajudar a fortalecer nossa capacidade de regular as emoções. Ao realizar meditações de atenção focada na respiração, ele observou uma diminuição da experiência emocional negativa, bem como a redução da atividade da amígdala. “O treinamento de mindfulness em pacientes com transtorno de ansiedade pode reduzir a reatividade emocional, enquanto melhora a regulação das emoções”, escreveu Goldin, no artigo, explicando ainda que essas mudanças podem ajudar a diminuir autocrenças negativas em adultos.
O psicólogo Daniel Goleman, pai do termo “inteligência emocional”, concorda. Em seu livro mais recente, “Por que meditamos: A ciência e a prática da clareza e da compaixão” (Ed. Objetiva), ele escreve: “As conclusões mais robustas, replicadas várias vezes e de várias formas diferentes por estudos científicos, mostram que a simples observação da própria respiração, deixando outros pensamentos irem e virem (sobretudo irem), tem um efeito profundamente relaxante. No mundo tibetano, esses métodos são conhecidos como shamata ou shiney: eles acalmam. Agora, a ciência está comprovando esse benefício calmante. Gente que pratica a simples atenção plena à respiração, por exemplo, fica mais relaxada na vida cotidiana e se recupera mais rapidamente de reveses que os não meditadores”.
No livro, o psicólogo também aconselha as pessoas que desejam se iniciar na prática da meditação de atenção plena. “Ao começar a meditar, muitos reclamam que a mente divaga o tempo todo; alguns chegam a concluir que são incapazes de realizar essa prática por terem a mente rebelde demais. Foi o que aconteceu comigo”, confessa. “Na verdade, esse pode ser um bom sinal: quando começamos a prestar atenção nas idas e vindas da nossa mente — isto é, quando começamos a ter atenção plena — é que vemos como ela tem uma tendência normal a se distrair. É um primeiro passo para ter uma atenção mais plena e domar a mente que divaga. Uma das chaves é lembrar-se de deixar os pensamentos que afloram partirem, em vez de seguir um fio de associações.”
Além da redução da ansiedade, estudos mostram que a meditação também pode ter efeitos positivos no foco, memória e criatividade. Ainda assim, com a vida cada vez mais corrida e prazos cada vez mais apertados, muitas pessoas têm dificuldade em dedicar alguns minutos à contemplação dos pensamentos ou da própria respiração. Para esses, fica o conselho da empresária Ariana Huffington, criadora do The Huffington Post: “Embora eu conheça os benefícios da meditação desde a adolescência, encontrar tempo para meditar sempre foi um desafio porque eu tinha a impressão de que tinha que ‘fazer’ a meditação. E eu não tinha tempo de ‘fazer’ mais nada. Felizmente, um amigo apontou um dia que nós não ‘fazemos’ meditação; é a meditação que nos faz. Isso me abriu a mente. A única coisa a ‘fazer’ na meditação é nada”. E esse nada já é muita coisa.
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