Um estudo publicado na Nature mostrou que os psicodélicos podem reabrir janelas de aprendizado no cérebro — conhecidas como “períodos críticos” — que ocorrem geralmente na infância. Com isso, os pesquisadores podem entender melhor como essas substâncias agem no tratamento de condições mentais graves, como depressão e ansiedade. Mas não apenas isso. O estudo abre as portas também para que outras condições, como determinados tipos de cegueira e surdez, possam se beneficiar dos psicodélicos.
“Durante períodos específicos de desenvolvimento do cérebro, o sistema nervoso exibe maior sensibilidade a estímulos etologicamente relevantes, bem como maior maleabilidade para modificações sinápticas, de circuito e comportamentais”, escreveu no estudo a equipe de pesquisadores coordenada pela neurocientista Gül Dölen, da Universidade Johns Hopkins, explicando o que são os períodos críticos. “Há muito tempo, os neurocientistas buscam métodos para reabri-los a fim de encontrar benefícios terapêuticos.”
Isso porque é comum que, depois de um tempo, as janelas de aprendizado que ocorrem, geralmente, na infância se fechem, dificultando nossa capacidade de absorver novos hábitos e conhecimentos.
Em 2019, em outro artigo publicado na Nature, a equipe de Dölen já havia demonstrado que o MDMA é capaz de reabrir períodos críticos. Desta vez, os pesquisadores resolveram testar outras substâncias.
Através de testes em camundongos, eles descobriram que cada psicodélico é capaz de ativar essa janela de aprendizado por um período de tempo diferente, sendo que quanto mais longa a viagem, maior a abertura. Uma experiência com cetamina, por exemplo, a qual em humanos dura cerca de 30 minutos, abriu um período crítico de dois dias nos ratos; as sessões com MDMA, que duram até cinco horas, mantiveram a abertura por duas semanas; já o LSD, cujo efeito chega a oito horas, alcançou uma abertura de três semanas; enquanto a ibogaína, que pode ter duração de 36 horas nos seres humanos, colocou os ratos em estado aberto por quatro semanas (período máximo de medição).
Os estudos podem ajudar a entender, inclusive, os mecanismos de recuperação de movimentos. Como Dölen explicou em uma reportagem da revista Wired, imediatamente após um AVC, por exemplo, um período crítico se abre naturalmente e se encerra alguns meses depois. Se a teoria estiver certa, a reabertura provocada pelos psicodélicos poderia ajudar os pacientes a reaver suas habilidades motoras. Entender essa questão, ou seja, mostrar que os psicodélicos podem ser requisitados em diversas frentes, é o próximo passo da pesquisa de Dölen.
Como afirmou a psiquiatra Rachel Yehuda, à Wired, os achados do estudo ajudam a explicar “como algo de duração tão curta [a experiência psicodélica] pode ter efeitos duradouros e transformadores que vão muito além do período de tempo em que a substância está lá”.
Dölen lembra, no entanto, que essa reabertura também é um período de vulnerabilidade, o que aponta para a necessidade de que as terapias psicodélicas sejam feitas em ambiente controlado com equipe especializada. Apesar da descoberta do mundo poder ser encantadora para as crianças, por exemplo, elas também são mais impressionáveis. “Podemos realmente estragar as crianças muito mais do que os adultos”, disse a pesquisadora à Wired, lembrando que os mais jovens devem ser protegidos da exposição de materiais potencialmente perturbadores. “Você quer ensinar coisas novas às crianças, mas não quer que elas aprendam japonês com a pornografia japonesa.”
É por isso que ela chama a reabertura de um período crítico de uma ferramenta “extremamente agnóstica”, uma vez que pode não ser considerada uma coisa inteiramente boa ou má.
“Os resultados [do estudo] sugerem que os psicodélicos poderiam servir como uma ‘chave mestra’ para desbloquear uma ampla gama de períodos críticos”, escreveram os pesquisadores.
“De fato, evidências recentes sugerem que a aplicação repetida de cetamina é capaz de reabrir o período crítico para a plasticidade de dominância ocular, visando a ECM (‘extracellular matrix’). Esse conhecimento expande o escopo dos distúrbios que podem se beneficiar do tratamento com psicodélicos (incluindo autismo, derrame, surdez e cegueira); examinar essa possibilidade é uma prioridade óbvia para estudos futuros.”
Para ler a reportagem completa da Wired (em inglês), clique aqui. O estudo publicado na Nature pode ser visto aqui.
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