A microdosagem de substâncias como LSD e psilocibina — ou seja, quando se consome cerca de um décimo de uma dose grande sem a intenção de causar efeitos psicodélicos — é uma prática cada vez mais comum entre pessoas que buscam efeitos terapêuticos diversos. Uma reportagem da revista Nature, escrita pelo jornalista Benjamin Plackett, que faz parte do especial Nature Outlook sobre medicina psicodélica, mostra como tomar pequenas doses de psicodélicos pode promover benefícios que vão desde a redução da ansiedade até a melhora da vida sexual.
A reportagem cita um estudo observacional publicado em 2019, que acompanhou 98 pessoas que praticaram microdose durante seis semanas, para avaliar tópicos como criatividade, produtividade, foco e felicidade. Os resultados indicaram que os participantes marcaram pontuações elevadas em todos os tópicos nos dias em que realizavam a prática.
Ainda assim, apesar dos resultados positivos, hoje, nenhum cientista consegue responder se os benefícios são derivados do efeito placebo ou não, já que as pessoas fazem uso das substâncias com altas expectativas, o que pode influenciar a experiência.
As pesquisas feitas com psicodélicos em doses grandes mostram que essas substâncias podem ser ferramentas úteis no tratamento de transtornos como a depressão grave. E isso pode oferecer uma pista aos cientistas que buscam entender os mecanismos das microdosagens.
“As taxas de remissão em estudos com doses grandes são encorajadoras, mas a grande incógnita é quanto tempo duram essas remissões”, afirmou à reportagem Peter Hunt, presidente da organização australiana Mind Medicine Australia. “Acredito que a microdosagem de LSD pode acabar ajudando a prolongar essas remissões. (…) Mas ainda não sabemos se elas funcionam. Nosso trabalho como psicofarmacologistas é descobrir isso.”
Apesar das evidências, os estudos controlados com placebo não se mostram tão animadores. Uma pesquisa publicada pelo grupo da psiquiatra Harriet de Wit, da Universidade de Chicago, examinou os efeitos da microdosagem de LSD em três grupos diferentes que receberam a substância em quatro rodadas com, pelo menos, três dias de diferença. Um grupo recebeu 13 microgramas de LSD; outro, o dobro; e um terceiro recebeu placebo. Os 56 participantes, com idades entre 18 e 35 anos, responderam a questionários de humor e completaram testes cognitivos e comportamentais após a primeira e a última dose.
Os cientistas não perceberam diferenças significativas entre os grupos. “No final, também perguntamos aos participantes o que eles achavam que haviam recebido, e eles não eram bons em adivinhar”, apontou Wit.
Um grande estudo com 191 participantes conduzido pelo pesquisador Balázs Szigeti, do Centro de Pesquisa Psicodélica do Imperial College London, também não indicou diferenças significativas entre o placebo e as microdosagens. “Quando começamos o estudo, nossa visão era que seríamos os heróis que provariam que a microdosagem de LSD funciona”, disse. “Mas nossos resultados foram um pouco decepcionantes. A comunidade de microdosagem de LSD ficou bastante chateada”
O psicólogo Vince Polito, da Universidade Macquarie, da Austrália, acredita que é preciso considerar que as pessoas testadas na maior parte dos poucos estudos já feitos com microdoses eram saudáveis ou com transtornos leves. Por isso, o pesquisador pretende recrutar 253 pessoas com depressão moderada para seu próximo estudo. “Se não encontrarmos resultados positivos depois disso meu entusiasmo diminuirá”, conclui.
A Beneva discutiu a importância do efeito placebo nos estudos com psicodélicos em um artigo especial sobre microdosagens, compreendendo-o como um fenômeno psicobiológico importante. Leia na íntegra aqui. E também veja a entrevista exclusiva feita no Festival Wonderland com Natasha de Jong, fundadora e CEO da Earth Resonance.
Imagem: Marek Piwnicki/Pexels