A mescalina — substância encontrada em cactos como o peiote e usada de forma ritualística há milênios por indígenas da América Central e do Norte — foi um dos psicodélicos clássicos mais populares na primeira onda de pesquisas com psicodélicos nas décadas de 1940 e 1950. Mas, com a proibição, a produção de conhecimento sobre o assunto diminuiu consideravelmente.
Como lembra uma reportagem da revista Nature, que integra o especial Outlook sobre medicina psicodélica, a mescalina é, ainda hoje, uma substância que desperta pouco interesse de estudo, mas novos ensaios clínicos podem colocar o psicodélico de volta ao jogo.
Semelhante à psilocibina, à DMT e ao LSD, a mescalina não causa dependência e é considerada uma substância segura. Além disso, ela também ativa o receptor de serotonina 5-HT2A. Mas, diferente destas substâncias, a mescalina pertence também ao grupo das fenetilaminas, que inclui o MDMA, anfetaminas e muitas outras substâncias.
De acordo com Rafael Lancelotta, pesquisador da Universidade Estadual de Ohio, seu efeito pode ser classificado como um cruzamento entre os efeitos do MDMA e da psilocibina, produzindo sintomas como náusea e aumento da frequência cardíaca e da temperatura.
Por outro lado, seus efeitos também podem ser muito agradáveis. Como escreveu o pesquisador Alexander “Sasha” Shulgin: “O usuário se abre em relação à natureza, com sentimentos de bondosa aceitação e ficando confortável com sons, imagens, animais e objetos inanimados”. Depois de 5 a 8 horas, essa sensação dá lugar a “uma recuperação suave que permite a integração pessoal desses estímulos em um estado de espírito tranquilo e repousante”.
A reportagem cita uma pesquisa online feita com 452 adeptos da mescalina, conduzida, em 2021, pela psicóloga Gabrielle Agin-Liebes, pesquisadora da Universidade da Califórnia. De acordo com os resultados, pelo menos dois terços dos voluntários que tiveram depressão, ansiedade, transtorno de estresse pós-traumático ou transtorno por uso de drogas relataram melhorias nessas condições, após sua experiência “mais memorável” com a mescalina. Apesar disso, como lembrou Agin-Liebes, poucos deles tomaram a substância com essa intenção explícita.
O primeiro ensaio clínico moderno de mescalina está sendo conduzido pelo farmacologista Matthias Liechti no Hospital Universitário de Basel, na Suíça, com cerca de 30 voluntários saudáveis. O estudo compara os efeitos do LSD, psilocibina e mescalina, usando avaliações psicológicas e físicas, incluindo ressonância magnética funcional. A ideia é que os primeiros resultados saiam ainda em 2023.
Além disso, uma série de empresas também têm mostrado interesse nas potencialidades terapêuticas da mescalina. A canadense Biomind Labs, por exemplo, está desenvolvendo um medicamento à base de mescalina que tem como alvo a inflamação, uma condição associada a vários tipos de depressão. O ensaio clínico vai ser feito no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo.
As perspectivas da mescalina como tratamento devem ficar mais claras a partir de 2023 com a divulgação dos estudos que estão sendo feitos. De acordo com Liechti, “até agora, a mescalina, o LSD e a psilocibina parecem ter um modo de ação relativamente semelhante e produzem efeitos gerais relativamente semelhantes em humanos”.
Esta reportagem faz parte da série Psychedelic Medicine, da revista Nature. Para ler o texto completo, clique aqui.