Nos últimos anos, com a retomada das pesquisas feitas com psicodélicos, a microdosagem de substâncias como o LSD e a psilocibina ganhou evidência. A ideia de aumentar o foco e a produtividade, ou de tratar questões de saúde mental, tomando pequenas quantidades de expansores da mente ficou famosa entre os empresários do Vale do Silício ao longo da última década.
Apesar da prática ter ganhado impulso durante a pandemia, o conceito foi introduzido pela primeira vez ao público geral em 2011, pelo psicólogo norte-americano James Fadiman, no livro The Psychedelic Explorer’s Guide. Fadiman se inspirou nas ideias do próprio Albert Hoffman, o cientista suíço que sintetizou o LSD pela primeira vez, em 1938, o qual acreditava que doses baixas da substância poderiam ter um potencial efeito terapêutico, podendo ser uma alternativa à Ritalina. Mas a ideia foi recusada pela empresa farmacêutica em que trabalhava, a Sandoz.
“A maioria dos nossos clientes fazem microdose para melhorar suas performances e aumentar a criatividade, a fim de entrar em estado de flow. Também usam na busca pelo despertar espiritual, a fim de ficarem mais conectados consigo mesmos. Ou fazem uso terapêutico, no tratamento de questões mentais, como ansiedade, TDAH e dependência”, explicou, em entrevista à Beneva, Natasha de Jong, fundadora e CEO da Earth Resonance, mais conhecida empresa de microdose legal dos Estados Unidos (veja o vídeo aqui).
A vantagem, segundo quem opta por realizar a prática, é que, ao consumir uma quantidade de dez a vinte vezes menor do que uma dose considerada suficiente para realizar uma experiência psicodélica completa, os efeitos visuais e de alteração de percepção, comuns nestas experiências, são dispensados. Mas o que a ciência diz sobre o tema?
Apesar do crescente número de pessoas que se dedicam à microdosagem de psicodélicos, os estudos sobre o tema ainda são escassos e possuem algumas limitações. Para poder driblá-las, Balázs Szigeti e outros pesquisadores do Imperial College de Londres criaram um desenho de pesquisa inédito.
Através das instruções de um vídeo, 191 participantes foram ensinados a preparar cápsulas contendo microdoses de psicodélicos (LSD ou cogumelos com psilocibina) e cápsulas vazias, que foram embaralhadas em envelopes, seguindo uma ordem específica. Duas vezes por semana, durante quatro semanas, os voluntários ingeriram as cápsulas, sem saber se estavam tomando placebo ou não, diferente dos pesquisadores que sabiam da informação através de códigos de barras inscritos nos envelopes. Assim, mesmo que à distância, os cientistas formaram grupos e puderam comparar os resultados, em um método batizado como “auto-cegamento” (self-blinding)
“Segundo nosso melhor conhecimento, este estudo é o primeiro a empregar a metodologia de auto-cegamento, a primeira investigação controlada por placebo dos efeitos cumulativos de microdosagem repetida e o maior estudo controlado por placebo de um psicodélico até hoje”, afirmam os autores no artigo, publicado em 2021, no periódico eLife.
Os resultados mostraram que, de fato, houve melhoras apresentadas por aqueles que usaram os psicodélicos, como aumento de bem-estar, satisfação com a vida e maior estado de presença (mindfulness). Mas essas melhorias também foram verificadas no grupo placebo.
“Mais do que um efeito ‘desprezível’, o efeito placebo constitui-se como um fenômeno psicobiológico importante e misterioso, que envolve mecanismos psicológicos, imunológicos e endócrinos que ainda necessitam ser compreendidos melhor”, escreveu o psicofarmacologista Lucas Maia, em um artigo sobre o tema no portal Ciência Psicodélica.
Através de um levantamento sistemático feito no PubMed, acerca da microdosagem, Maia encontrou 26 publicações científicas sobre o tema — incluindo a do Imperial College London —, sendo 4 revisões de literatura e 22 artigos reportando resultados originais de pesquisa.
“Os resultados dos estudos controlados realizados até agora indicam que a microdosagem com psicodélicos pode, de fato, gerar efeitos farmacológicos que não são explicados pelo efeito placebo. Porém, muitos efeitos relatados popularmente e verificados nos estudos observacionais não foram confirmados pelos estudos controlados. A pequena quantidade de estudos controlados ainda não permite tirar conclusões sólidas”, detalhou.
Além disso, o pesquisador ressalta que, apesar das pequenas quantidades, não se devem desprezar os riscos oferecidos pelos psicodélicos a algumas pessoas. Nos estudos analisados, foram encontrados uma série de efeitos adversos, os quais, ironicamente, representam justamente o oposto do que era buscado pelos adeptos da prática, como, por exemplo, aumento de ansiedade e insônia, além de irritabilidade e distração, em menor grau. Maia reforça, no entanto, que a maioria dos efeitos adversos relatados se referiam aos efeitos imediatos das substâncias microdosadas.
O que é possível concluir com maior nível de certeza é que mais estudos precisam ser feitos a fim de analisar os efeitos causados pela prática da microdosagem de psicodélicos. “Na realidade, existe um oceano de mistérios acerca do futuro dos psicodélicos e de que modo eles serão incorporados em âmbito terapêutico/médico e sociocultural – um oceano que a ciência está apenas começando a explorar”, concluiu Maia.
Confira: Microdose psilocibina
Foto de Marek Piwnicki/ Pexels