Uma das palestras mais aguardadas da reunião anual da American Psychiatric Association (APA), em 2023, foi a do médico John H. Krystal, diretor de psiquiatria da Universidade Yale. Krystal é um dos pioneiros dos estudos com cetamina para depressão e, no evento, ele falou sobre os 30 anos de pesquisa com a substância.
A cetamina é uma substância usada como anestésico em cirurgias desde os anos 1960. Nos anos 1990, no entanto, Krystal e sua equipe iniciaram os estudos que levaram à descoberta dos efeitos antidepressivos da substância, contribuindo, hoje, para a qualidade de vida de muitas pessoas que não encontram respostas positivas nos tratamentos convencionais.
A princípio, o professor de psiquiatria se dedicava a entender mais sobre a esquizofrenia, e a relação do transtorno com o neurotransmissor glutamato, sob influência da cetamina.
Depois de alguns testes, Krystal logo percebeu o papel do glutamato também na depressão resistente. Isso inaugurou uma nova linha de pesquisas completamente diferente, porque, até então, a hipótese mais aceita para a causa da depressão era a de que o transtorno era causado pela falta de serotonina ou desequilíbrio químico. Não à toa os antidepressivos clássicos atuam na modulação dos sistemas monoaminérgicos (noradrenalina, serotonina e dopamina).
Já a hipótese que nasceu com os estudos de Krystal era a de que a depressão poderia ser explicada pela ação do neurotransmissor glutamato, responsável pela hiperativação de algumas áreas do cérebro. O médico, então, aplicou a cetamina para bloquear a ação do glutamato, e, em um estudo já clássico, publicado nos anos 2000, ele chegou à conclusão de que a substância tinha, de fato, efeitos antidepressivos.
Nasceu, assim, um caminho totalmente novo para o entendimento de como a depressão funciona no cérebro.
Aos poucos, Krystal e sua equipe foram entendendo melhor os mecanismos de ação da cetamina. Em uma conversa no podcast The Tim Ferriss Show, ele conta como chegaram à conclusão de que as doses da substância deveriam ser mais baixas do que aquelas aplicadas na anestesia.
“Uma das coisas mais importantes que descobrimos na história dos efeitos antidepressivos da cetamina é que se você dá uma dose subanestésica, isso libera glutamato; se você dá uma dose anestésica, ela suprime o glutamato (e isso não possui efeito antidepressivo); mas se você dá uma dose um pouco menor do que a subanestésica, isso não estimula o glutamato. Então, existe uma janela apertada na qual a cetamina produz dissociação e outros efeitos pelos quais estamos interessados”, disse Krystal na conversa, explicando que as doses baixas causam efeitos de 40 minutos, suficientes para alcançar resultados de melhora para depressão.
Em 2019, o pesquisador e seu time publicaram o estudo “Ketam1ne: A Paradigm Shift for Depression Research and Treatment” (ou “Cetamina: uma mudança de paradigma para pesquisa e tratamento da depressão”), no periódico Neuron. No artigo, eles escrevem que “os efeitos antidepressivos rápidos, profundos e sustentáveis da cetamina parecem prontos para transformar o tratamento da depressão”.
Assim como os antirretrovirais mudaram o rumo no tratamento do HIV/Aids, os pesquisadores afirmam que a cetamina pode fazer o mesmo pela depressão, além de contribuir para eliminar o preconceito em torno do transtorno.
“A cetamina pode ser não apenas uma fonte de esperança para os pacientes e seus familiares, mas também uma arma poderosa na luta contra o estigma e pela paridade no apoio à prevenção da depressão, no tratamento e na pesquisa”, escreveram os pesquisadores, mostrando que acompanhar a história da cetamina é uma forma de também entender o futuro da depressão.
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