A pandemia, que restringiu as atividades sociais e impactou negativamente a saúde mental das pessoas do mundo todo, pode ter contribuído para a crescente adesão aos jogos de azar como uma forma de escape.
Além dos desafios de saúde e economia, outra questão que ganhou destaque no Brasil durante o período foi o aumento do número de sites de apostas. Com promoção massiva nos meios de comunicação, a modalidade online tem atraído pessoas não apenas com promessas de entretenimento, mas de investimento também. Entretanto, a busca por recompensas rápidas e a emoção proporcionada pelos jogos são fatores que tornam essa atividade ainda mais viciante do que outras formas de jogos.
No Brasil, os jogos de azar foram proibidos em 1946, durante o governo de Eurico Gaspar Dutra, com o argumento de que eles seriam nocivos à moral e aos bons costumes. Os únicos estabelecimentos com permissão para a prática passaram a ser as casas lotéricas, controladas pelos governos estaduais e federal, com obrigações de transparência e responsabilidade, destinando seus lucros às áreas de esportes, cultura, educação e investimentos sociais.
Por um breve período, entre 1993 e 2004, os bingos foram liberados, sob a justificativa de auxiliar clubes de bairro e eventos esportivos. Mas, ao ter seus riscos sociais reconhecidos, a medida foi revogada. Em 2018, no fim do governo de Michel Temer, o cenário foi novamente desafiado com a sanção de uma medida provisória que redefiniu a destinação da arrecadação das loterias. A medida também abriu uma nova modalidade lotérica denominada “aposta de cota fixa”, permitindo a exploração desse tipo de jogo por empresas privadas.
Essa flexibilização e a crescente adesão aos jogos de azar, especialmente no ambiente virtual, têm trazido consequências preocupantes. Segundo um levantamento da empresa SimilarWeb, em 2022, os sites de apostas renderam 14,2 bilhões de acessos em todo mundo, tendo o Brasil como líder, com 3,2 bilhões de acessos, quase 25% do total apontado no levantamento.
A natureza aleatória dessas atividades pode levar à compulsão, prejudicando não apenas a saúde mental dos indivíduos, mas também impactando negativamente suas finanças, relacionamentos, cognição e bem-estar geral.
É importante lembrar que a maior parte das pessoas é capaz de desenvolver relacionamentos saudáveis com jogos, por isso é preciso distinguir entre o entusiasmo e a compulsão.
De acordo com um artigo publicado na revista The Lancet Psychiatry, pela equipe da pesquisadora Barbara Jacquelyn Sahakian, ao contrário da dependência em álcool e outras drogas, nos quais os sintomas são fisicamente perceptíveis, a dependência em jogos de azar apresenta sinais menos óbvios.
Quando os jogadores observam o resultado de sua aposta, o sistema de recompensa do cérebro é ativado. Em pessoas que desenvolvem dependência essa ativação pode ser mais forte.
“A dopamina, neurotransmissor que ajuda as células nervosas a se comunicarem, também é conhecida por ser uma importante substância química no sistema de recompensa do cérebro. Um estudo mostrou que jogadores compulsivos apresentaram níveis significativamente mais altos de excitação quando a dopamina é liberada em seus cérebros em comparação com pessoas saudáveis”, escreveram os pesquisadores, no site The Conversation. “A liberação de dopamina parece reforçar a compulsão por jogos através do aumento dos níveis de excitação, reduzindo a inibição de decisões arriscadas ou uma combinação de ambos.”
Hoje, o diagnóstico do distúrbio do jogo compulsivo se baseia no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), publicado pela Associação Americana de Psiquiatria.
As abordagens terapêuticas disponíveis abrangem grupos de autoajuda e algumas formas de terapia cognitivo-comportamental, que visam modificar padrões de pensamento. Também se tem observado que alguns medicamentos, como os inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRSs), podem ser efetivos na redução de alguns sintomas do distúrbio do jogo compulsivo, como a depressão.
Na mesma linha, a ibogaína, uma substância presente na raiz de uma planta de origem africana, tem demonstrado efeitos positivos no tratamento de dependências químicas e não químicas, ao estimular novas conexões no cérebro, ajudando a eliminar a fissura e a abstinência.
“Assim como acontece com todos os problemas de saúde mental, o segredo é obter ajuda e tratamento precoces”, escreveram os pesquisadores. “Isso é especialmente importante para que recompensas normais, como passar tempo com a família e desfrutar de caminhadas e exercícios, ainda sejam prazerosas e o sistema de recompensas não seja ‘sequestrado’ pelo jogo.”
Imagem: RDNE Stock project