O dia 19 de abril de 1943 ficou marcado na história como a data em que foi realizado o primeiro auto-experimento com LSD na história. A substância, que influenciaria os movimentos de contracultura dos anos 1960, foi sintetizada pelo químico suíco Albert Hofmann, e foi um dos marcos mais importantes na ciência psicodélica.
No livro Almanaque das Drogas, o jornalista Tarso Araújo, diretor da Beneva, detalhou a história por trás da criação do ácido lisérgico e seus desdobramentos na política e na cultura. Leia o capítulo na íntegra:
“Na última sexta-feira, 16 de abril de 1943, fui obrigado a interromper meu trabalho no laboratório no meio da tarde e fui para casa, estando afetado por uma notável inquietação, combinada com uma ligeira tontura”, escreveu o químico suíço Albert Hofmann em um relatório para seu chefe no laboratório Sandoz. Já em casa, ele fechou os olhos e passou duas horas diante de uma “ininterrupta torrente de imagens fantásticas, extraordinárias, com uma intensa, caleidoscópica combinação de cores”. Esse foi o primeiro relato de uma experiência com a droga que mais tarde seria chamada de LSD.
Hofmann pesquisava, desde 1935, substâncias produzidas por um fungo chamado ergot. Suas propriedades medicinais eram conhecidas havia séculos, talvez milênios. Na Idade Média, era usado para estimular as contrações do parto e, a partir do século 19, para conter a hemorragia após o nascimento. Depois de isolar a ergobasina, substância responsável por esse efeito, Hofmann conseguiu produzir uma versão sintética da molécula.
Seu próximo trabalho foi tentar melhorar o remédio que a natureza produziu, modificando aquela substância. Ela era composta de duas partes, uma grande e outra pequena. A grande foi batizada por pesquisadores americanos de ácido lisérgico, e a outra era uma molécula de álcool com três carbonos. Ele substituiu essa parte pequena por várias coisas diferentes, e cada molécula resultante era testada em animais.
A experiência produziu três remédios que são usados até hoje: um para hemorragias, outro para o sistema circulatório de idosos e outro para dores de cabeça. As substâncias que não mostravam eficácia nos testes eram abandonadas pelo caminho. Mas naquela tarde de 1943 ele tivera um “pressentimento peculiar”, que o fez produzir uma nova amostra da 25ª experiência, que resultaria em dietilamina de ácido lisérgico. Na última etapa da síntese, ele começou a sentir as tais “tonturas”.
Na segunda-feira, dia 19, intrigado sobre a origem daquelas alucinações, Hofmann resolveu conferir se a “culpa” era do que ele chamava de LSD-25. Às 16h20, ele bebeu um copo de água com 250 microgramas – um quarto de miligrama – da substância. Quarenta minutos depois, certo de que havia descoberto uma nova droga, ele pediu que seu assistente o acompanhasse até em casa, pois não estava em condições de pedalar sozinho – eram tempos de guerra, e as pessoas usavam bicicletas para racionar gasolina.
Seu chefe, a princípio, não acreditou que uma dose tão pequena pudesse causar algum efeito em um ser humano. Mas sua desconfiança veio abaixo depois de provar um terço da dose de Hofmann e sentir as mesmas sensações. A empresa – o laboratório Sandoz, situado na Basileia, mesma cidade onde séculos antes Paracelso criara a tintura de láudano – imediatamente fez novos testes em animais. Peixes nadavam de maneiras estranhas, gatos ficavam eriçados e com medo de ratos, e aranhas produziam teias especialmente simétricas.
O importante é que a droga era segura: nenhuma função vital era prejudicada, apesar das alterações de comportamento. No início da década de 1950, o “Delysid” – nome que a companhia escolheu para a nova droga – começou a ser distribuído para um grupo seleto de psicoterapeutas com um “manual”. Nele, havia uma breve descrição dos efeitos e da dosagem e duas indicações de uso. Receitar a substância para pacientes de terapia, a fim de ajudá-los a “liberar material reprimido”, ou usar a substância para entrar no “mundo de ideias e sensações dos pacientes de doenças mentais”.
A segunda indicação se baseava na teoria de que a “onda” de LSD era uma espécie de psicose; e conhecer o estado mental de seus pacientes ajudaria os terapeutas a se comunicar com eles. Essa tese seria defendida por vários psiquiatras, mas logo os médicos perceberam que não era bem assim. O que não impediu que a maioria daqueles que pesquisavam a droga provasse o produto. A outra indicação foi amplamente testada durante toda a década, com alguns resultados surpreendentes, como, por exemplo, no tratamento de alcoólicos.
Entre 1953 e 1963 foram realizados 11 estudos com pessoas que tinham um histórico de 12 anos, em média, de problemas com bebidas e não haviam melhorado com nenhum tratamento anterior. Dos 269 pacientes testados, 54% ficaram abstinentes e 16% diminuíram o consumo de álcool. Apenas 30% deles não apresentaram nenhuma melhora após a terapia com LSD, em acompanhamentos de 2 a 36 meses.
Acompanhando de perto todas essas experiências, e patrocinando várias delas, havia pelo menos dois “clientes” com ambições militares: a CIA e o Exército americano. Eram tempos de Guerra Fria, e ambos suspeitavam que a União Soviética estava fazendo o mesmo. Desde 1942, a agência precursora da CIA já pesquisava drogas químicas em busca de um soro da verdade – uma droga mágica que fizesse os inimigos contarem todos os seus segredos num interrogatório. Grupos secretos dentro das duas organizações fizeram todo tipo de testes bizarros em busca de uma utilidade qualquer para a droga.
A maioria dos experimentos da agência americana com LSD, realizados entre 1951 e 1963, era feita com pacientes mentais ou presidiários que não tinham a menor ideia do que lhes davam. Os espiões também provavam ou “batizavam” a bebida de colegas, sem que eles soubessem. Como seu objetivo era aplicar a droga em inimigos sem que estes percebessem, os testes militares sempre tinham essa característica. O resultado, quase sempre, eram comportamentos psicóticos, paranoicos, desagradáveis.
Na primeira conferência sobre terapia com LSD, realizada em 1959, as diferenças de abordagem e de resultados ficaram evidentes, gerando controvérsias. Parte dos analistas fazia uma longa preparação para o dia de usar a droga, eles forneciam a substância em situações de máximo conforto e segurança e avisavam seus pacientes sobre tudo o que poderiam sentir. Seus resultados eram quase sempre positivos. Os pacientes desfrutavam tanto a experiência que frequentemente queriam repeti-la e a indicavam para amigos.
Na Califórnia, os terapeutas cobravam de 500 a 600 dólares por “tratamento”. Já os médicos que trabalhavam para a CIA e o Exército e normalmente ministravam a droga sem o consentimento ou o conhecimento dos pacientes, muitas vezes acompanhados de eletrochoques ou lobotomias, diziam que o LSD quase sempre provocava quadros intensos de psicose e ansiedade. Como disse Paul Hoch, um dos contratados do Exército, “na minha experiência, nenhum paciente pede mais”.
Naquele mesmo ano, porém, houve o relato de dois suicídios entre pacientes tratados com LSD – fora o de um médico do Exército que se atirou do 10º andar de um prédio depois de uma “pegadinha” do chefe do projeto secreto da CIA, em 1953, caso que demorou 15 anos para vir à tona. Sidney Cohen, um dos pioneiros da pesquisa com a droga, fez um levantamento entre os médicos que testavam a droga e publicou um estudo que reduziu o clima de alarme – eram dois casos de um total de 5 mil pacientes. Duas notícias, porém, chegaram ao público leigo com muito mais impacto.
Ainda em 1958, o Los Angeles Times publicou uma notícia com a manchete “Sensações fantásticas ganhas com nova droga”. Em 1959, seria a vez de a revista Look cravar: “A estranha história por trás do novo Cary Grant”. O galã de Hollywood tinha bombado havia quatro anos em Ladrão de Casaca, ao lado de Grace Kelly, e estava em cartaz com Intriga Internacional, filme de Alfred Hitchcock que seria a maior bilheteria da carreira do ator.
A popularidade do LSD ainda ganharia um grande reforço em 1961, quando um psicólogo de Harvard chamado Timothy Leary experimentou a droga pela primeira vez. Ele estudava a psilocibina, alucinógeno presente no cogumelo Amanita muscaria, usado por xamãs desde a Pré-História. Ele conhecera havia alguns anos o escritor inglês Aldous Huxley, que provara a mescalina em si, em 1955, e, baseado nessa experiência, escrevera As portas da percepção.
Huxley também havia provado o LSD e, quando um amigo de Nova York conseguiu 10 mil doses da substância e lhe perguntou o que faria com elas, o escritor sugeriu que ele procurasse Leary. O psicólogo, por sua vez, havia apresentado sua psilocibina ao poeta Allen Ginsberg, e, quando todos os pontos dessa teia se uniram, o LSD se espalhou por boa parte da classe artística americana. Ginsberg e Huxley ajudaram a fazer da casa de Leary um ponto de encontro de músicos, escritores, pintores e intelectuais que sempre que estavam por perto davam um jeito de visitá-lo. O psicólogo abraçou a causa de “abrir a mente” das pessoas, e a farra chamou tanta atenção que, em 1963, ele foi demitido de Harvard. Ele ainda mandou uma carta a Sandoz, solicitando a compra de 1 milhão de doses de LSD e 2,5 milhões de doses de psilocibina, mas a farmacêutica preferiu não fornecer. Fora da Universidade, Leary criaria comunidades alternativas e defenderia o uso de ácido lisérgico por todas as pessoas, como uma forma de expandir sua visão do mundo e de si mesmas, campanha que lhe deu o apelido de “apóstolo do LSD”.Em 1963, mesmo ano em que Leary deixou Harvard, aconteceu a primeira prisão por contrabando de LSD nos EUA, e a patente da Sandoz sobre a droga expirou – o que permitia que outras empresas a fabricassem. Tentando evitar seu uso descontrolado, a agência de controle de remédios dos EUA proibiu o uso de qualquer droga experimental sem sua autorização, o que extinguiu a era de pesquisas psicoterapêuticas com o ácido lisérgico.
Em 1965, alarmada com o uso recreativo da droga, a Sandoz interrompeu sua produção. Nos EUA, uma nova lei proibiu a venda e a fabricação de drogas psicodélicas. Era tarde demais. Milhões de doses já eram produzidas no mercado negro. E proibir a droga só tornou seu uso um símbolo maior de contestação entre os jovens. O movimento hippie – batizado a partir da expressão hip, que significa algo como “ter consciência” – ganhara uma droga para chamar de sua.
Usar LSD para ver a realidade de outra maneira tinha tudo a ver com a negação do establishment e os protestos contra as armas nucleares e a Guerra do Vietnã que marcaram o final daqueles turbulentos anos 1960. A simbiose era tão completa que é impossível dizer se o LSD foi o combustível da contracultura ou o contrário.
Imagem: Alebrt Hofmann/ Creative Commons