Um terço das pessoas com depressão no mundo não encontra alívio para os seus sintomas com medicações tradicionais. É o que os especialistas chamam de depressão resistente a tratamentos. Apesar da necessidade de uma abordagem diferente, essa condição é tratável. Durante muitos anos, uma das poucas opções disponíveis era a eletroconvulsoterapia (ETC). Já, nos últimos anos, a cetamina também vem se mostrando como uma alternativa eficaz.
Mas, afinal, qual das duas oferece mais vantagens aos pacientes? Foi o que investigou um estudo publicado em abril de 2023, no Journal of the American Medical Association (JAMA), uma das principais publicações médicas do mundo.
Apesar do histórico relacionado à tortura, hoje, a ECT é uma prática regulamentada no Brasil pelo Conselho Federal de Medicina, é considerada segura, indolor e eficaz em casos de transtorno afetivo bipolar, depressão severa e esquizofrenia, além de determinados casos de epilepsia e catatonia.
O procedimento consiste em estimular o cérebro através de eletrodos colocados nas têmporas, provocando convulsões leves, que não causam dores porque, de acordo com os protocolos médicos exigidos, o paciente deve estar anestesiado.
“Os remédios antidepressivos demoram, em média, de três a quatro semanas para fazer efeito. Com a ECT, você tem melhoras em uma ou duas semanas”, explicou ao VivaBem UOL o psiquiatra José Gallucci Neto, coordenador do serviço de eletroconvulsoterapia do IPq (Instituto de Psiquiatria) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. “Para a catatonia, nas primeiras duas ou três aplicações já há uma melhora absurda. Salva a vida na grande maioria dos casos.”
O procedimento, no entanto, não é unânime entre os profissionais. “É um mecanismo facilmente relacionado às situações de violência e violação de direitos humanos. Os aparelhos de eletroconvulsoterapia acabam sendo usados sem a devida prescrição profissional adequada. É um equipamento que teria que ter um controle mais rigoroso”, afirmou ao UOL o psiquiatra Paulo Amarante, coordenador do LAPS/ENSP/Fiocruz (Laboratório de Atenção Psicossocial da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca).
Além da falta de controle técnico, a dificuldade de acesso e outras questões faz com que os pesquisadores busquem outras formas de tratamentos que sejam tão eficazes quanto a ECT.
“Nesse contexto, a cetamina (…) está ganhando credibilidade como um antidepressivo relativamente seguro, eficaz e de ação rápida. Durante os últimos 10 anos, vários ensaios clínicos randomizados têm comparado a eficácia da cetamina e da ECT em pacientes com episódio depressivo maior”, escreveram os pesquisadores Vikas Menon, Natarajan Varadharajan e Abdul Faheem, no estudo publicado no JAMA.
A fim de fazer uma análise comparativa entre a efetividade de ECT e da cetamina, os pesquisadores realizaram um levantamento das publicações feitas em base de dados como MEDLINE, ScienceDirect e Google Scholar.
Durante a análise, Menon e sua equipe encontraram algumas limitações, como o pequeno número de estudos elegíveis, além de estudos com amostras reduzidas e baixa qualidade metodológica com altos riscos de viés. Nenhum estudo examinou, por exemplo, déficits amnésticos retrógrados, o efeito adverso mais problemático da ECT.
Assim, os pesquisadores concluíram que: “Os resultados deste estudo sugerem que a ECT pode ser superior à cetamina para melhorar os sintomas depressivos em adultos com depressão maior. No entanto, a vantagem é pequena e, portanto, para muitos pacientes, especialmente aqueles que desejam ser protegidos contra riscos cognitivos, pode valer a pena considerar um teste de cetamina antes de um teste de ECT.”
É importante lembrar que tanto a ECT quanto a cetamina são recomendadas em casos nos quais os antidepressivos convencionais já tenha sido usados como primeira opção, além disso, em ambos os tratamentos é essencial o acompanhamento médico qualificado. De qualquer forma, a limitação dos estudos existentes reforça a ideia de que mais pesquisas sobre o tema precisam ser feitas, a fim de uma maior precisão nos resultados.
Para conhecer os detalhes da revisão sistemática publicada no JAMA, acesse o estudo completo.
Imagem: Thirdman/ Pexels