A cetamina pode reduzir os pensamentos suicidas? Cada vez mais, novas evidências científicas sobre as contribuições desta substância no tratamento da ideação suicida demonstram sua eficácia. Talvez esta seja a resposta para um problema que constitui uma das maiores ameaças à saúde das sociedades contemporâneas.
Nesse contexto, a pesquisa sobre o uso da cetamina para o tratamento da ideação suicida pode trazer uma grande contribuição para o bem-estar social. Se for verdade, como indicam os estudos, que essa substância frequentemente usada como anestésico pode reduzir as ideias de morte dos pacientes e impedi-los de cometer suicídio, seria possível então enfrentar um dos problemas mais complexos da sociedade globalizada. Este artigo explora alguns desses estudos, cuja motivação se dá pela falta de resposta de alguns pacientes aos tratamentos convencionais.
Em 1632, o literato e cientista britânico Thomas Browne cunhou o neologismo “suicídio” (composto pelas palavras latinas “sui”, que significa “de si mesmo”, e “caedes”, que significa “assassinato”) para designar atos de morte voluntária nos quais o sujeito e o objeto da ação violenta convergem. Embora originalmente considerado crime, o suicídio foi abordado ao longo da história pelo discurso médico e tratado como um problema de saúde de grande impacto social.
Para as sociedades contemporâneas, o suicídio é uma questão complexa e de difícil abordagem. Segundo a OMS, é uma das dez primeiras causas de morte e a primeira causa de morte violenta em todo o mundo, sendo definida como a “epidemia do século XXI”. Apesar disso, explicações sobre a natureza da violência autoinfligida geralmente não contribuem muito para a resolução desse complexo problema de saúde pública. O aumento das taxas de suicídio, ano após ano, e as dificuldades na realização de tratamentos eficazes evidenciam a necessidade de novas abordagens. É nessas abordagens que recaem as pesquisas sobre o uso da cetamina.
Considerando que o suicídio tem um impacto considerável na população mundial, a OMS promove a campanha Setembro Amarelo para conscientizar a população sobre os riscos do comportamento suicida e a importância de se atentar aos sinais prévios para sua prevenção. No Brasil, um dos países onde essa campanha é realizada, a Associação Brasileira de Psiquiatria e o Conselho Federal de Medicina registram cerca de 14 mil casos de suicídio por ano. Isso significa que o suicídio causa, aproximadamente, 38 mortes por dia.
Geralmente, é consenso que o processo suicida é constituído por diferentes fases progressivas, cada uma delas com graus variados de gravidade, dentre as quais se destaca: uma fase ideacional, na qual o indivíduo fantasia sobre a ideia e suas consequências, uma fase de crise e luta, caracterizada por um sentimento de angústia intensa, e uma fase de relaxamento diante de uma decisão já tomada. Nesse sentido, a ideação suicida, ou seja, a presença e persistência de desejos de morte, faz parte de um processo maior e seu tratamento adequado pode significar frear uma dinâmica cuja realização representa a morte. Em outras palavras, identificar precocemente as ideias de morte e dar-lhes a abordagem que merecem é uma das principais formas, senão a principal, de evitar o suicídio.
A ideação suicida é, assim, considerada o primeiro elo de uma cadeia com consequências irreparáveis. Um diagnóstico adequado pode salvar uma vida. Os sinais de alerta a serem observados incluem diferentes sintomas, como depressão, ansiedade, perda completa de apetite, insônia, excesso de sono, ataques de pânico e anedonia. É preciso considerar que o conceito de ideação suicida refere-se a uma série de pensamentos de caráter diferencial que implicam diferentes graus de gravidade. De fato, ter ideias vagas ou fantasias curiosas sobre a própria morte não é o mesmo que ter um plano detalhado para sua realização.
Dependendo do grau de ideação, existem diferentes tratamentos para prevenir o suicídio, que vão desde terapias de fala, terapias cognitivo-comportamentais e terapias de aconselhamento, até tratamentos farmacológicos com diferentes medicamentos. Atualmente, devido ao ressurgimento de estudos farmacológicos com psicodélicos, há evidências de que substâncias como a cetamina poderiam ajudar a reduzir a ideação suicida, principalmente pela falta de resposta de alguns pacientes aos tratamentos convencionais.
A cetamina é uma substância dissociativa derivada da fenciclidina, com potenciais efeitos psicodélicos. Desde sua descoberta,em 1964, ela é muito utilizada como anestésico, mas também para consumo recreativo em festas. Nos últimos vinte anos, após uma série de estudos realizados na década de 70 — e interrompidos por políticas proibicionistas nos anos seguintes —, essa substância foi retomada pela pesquisa psiquiátrica e farmacológica devido aos seus efeitos antidepressivos.
Essas pesquisas destacaram o potencial terapêutico da cetamina, dando origem a uma variedade de programas para o tratamento de doenças mentais em todo o mundo. Um marco significativo nos últimos anos foi a aprovação pela Food and Drug Administration (FDA), dos Estados Unidos, de terapias assistidas por cetamina para o tratamento da depressão resistente, por meio da autorização da escetamina intranasal, um derivado da cetamina que é administrado por inalação.
Uma revisão sistemática publicada no BJPsych Open relata a eficácia da cetamina, não apenas no tratamento da depressão, mas também na redução de pensamentos suicidas. De acordo com o levantamento, devido aos efeitos antissuicidas quase imediatos, a cetamina é considerada como mais eficaz do que outros sedativos utilizados nesse tipo de tratamento. Deve-se considerar que a velocidade de ação é de grande importância, pois pacientes com tendências suicidas necessitam de alívio rápido para evitar atingir o ponto de automutilação.
Um estudo publicado em 2018 também mostra que, administrada em baixas doses, a cetamina pode contribuir para a redução de pensamentos suicidas. Para chegar aos resultados, os cientistas separaram dois grupos dentre 80 pessoas com ideação suicida. Um grupo recebeu infusões de cetamina, enquanto o outro recebeu midazolam, um sedativo frequentemente usado como ansiolítico. Após 24 horas do momento da administração das doses, foi possível verificar que os pacientes que receberam a infusão de cetamina tiveram uma redução significativa na ideação suicida, muito maior do que a experimentada pelos pacientes que receberam midazolam. Da mesma forma, foi possível corroborar que os pacientes do primeiro grupo conseguiram melhorar o humor em geral, cuja duração persistiu por, pelo menos, seis semanas. Assim, pode-se concluir que os efeitos da cetamina não são apenas mais potentes do que os do midazolam, mas também mais rápidos e duradouros.
Outro estudo publicado em 2018 mostra que, administrada em baixas doses, a cetamina pode contribuir para a redução de pensamentos suicidas. Entre os 80 pacientes deprimidos com ideias suicidas, um grupo recebeu infusões de cetamina, enquanto o outro recebeu midazolam, um sedativo frequentemente usado como ansiolítico. Após 24 horas do momento da administração das doses, foi possível verificar que os pacientes que receberam a infusão de cetamina tiveram uma redução significativa na ideação suicida, muito maior do que a experimentada pelos pacientes que receberam a cetamina infusão, deu-lhes midazolam. Da mesma forma, foi possível corroborar que os pacientes do primeiro grupo conseguiram melhorar o humor em geral, cuja duração persistiu por pelo menos seis semanas. Assim, pode-se concluir que os efeitos anti-suicidas da cetamina não são apenas mais potentes que os do midazolam, mas também mais rápidos e duradouros.
Outro estudo semelhante, feito com cetamina e midazolam, com 78 pacientes, mostrou que a cetamina foi capaz de produzir melhorias mais rápidas do que o midazolam no humor geral e na ideação suicida dos pacientes. Aqueles pacientes cuja ideação suicida não cedeu com a administração de midazolam foram posteriormente tratados com cetamina sem ocultação e o teste foi realizado novamente, mostrando melhora clinicamente significativa em relação aos testes anteriores.
Por sua vez, um estudo realizado na Faculdade de Medicina da Universidade de Medellín descreve o caso de um paciente do sexo masculino de 55 anos que, após receber um transplante de coração por insuficiência cardíaca, começou a sofrer de depressão, anedonia e tendências suicidas. ideação. Este paciente foi inicialmente tratado com mirtazapina por uma semana. Como não houve resposta a esse tratamento e persistiu o alto risco de suicídio, optou-se por administrar uma infusão de cetamina. Após 24 horas, observou-se melhora clinicamente significativa do humor do paciente, bem como o desaparecimento das ideias de morte. O trabalho conclui que a cetamina pode ser uma opção eficaz e segura para tratar a depressão maior com risco de suicídio.
Por sua vez, um estudo realizado pela Faculdade de Medicina da Universidade de Medellín descreve o caso de um paciente do sexo masculino de 55 anos que, após receber um transplante de coração por insuficiência cardíaca, começou a sofrer de depressão, anedonia e ideação suicidas. Este paciente foi inicialmente tratado com mirtazapina por uma semana. Como não houve resposta a esse tratamento, optou-se por administrar uma infusão de cetamina. Após 24 horas, observou-se melhora clinicamente significativa do humor do paciente, bem como o desaparecimento das ideias de morte. O trabalho conclui que a cetamina pode ser uma opção eficaz e segura para tratar a depressão resistente com risco de suicídio.
Mas como ela funciona propriamente? Um estudo da Northwestern Medicine conseguiu responder pela primeira vez, através de pesquisas em camundongos, por que o efeito da cetamina é mais rápido do que antidepressivos convencionais. Publicado em junho, no periódico Nature Communications, os resultados do estudo mostraram que, enquanto antidepressivos convencionais, como Fluoxetina, Citalopram, Paroxetina, Sertralina, Fluvoxamina e Escitalopram, produzem um aumento do número de novos neurônios, que impulsionam mudanças comportamentais, a cetamina aumenta a atividade dos neurônios já existentes, garantindo um efeito muito mais rápido.
Os resultados desses estudos sugerem que infusões de baixa dose de cetamina podem ser de grande importância para tratamentos de ação rápida destinados a reduzir a ideação suicida em pacientes com depressão. A cetamina seria então uma substância promissora no desenvolvimento de novos medicamentos para ajudar aquelas pessoas que não respondem adequadamente aos tratamentos atualmente disponíveis.
A cetamina é contraindicada em casos de hipertensão arterial grave, doenças cardiovasculares, insuficiência cardíaca, traumatismo craniano, hemorragias e tumores cerebrais e acidentes cardiovasculares. Para garantir um tratamento seguro, é necessário, portanto, que seja realizado em ambiente hospitalar, sob a supervisão de um profissional de saúde devidamente treinado e após a realização de estudos prévios.
Quanto aos riscos imediatos, um estudo coordenado pelo psiquiatra James Murrough, da Icahn Escola de Medicina Monte Sinai, em NY, indica que, por se tratar de um medicamento com meia-vida curta, os efeitos colaterais indesejados costumam ser breves, surgindo alguns minutos após a administração da infusão e desaparecendo completamente em duas horas. Dentre os efeitos adversos observados pelo referido autor, destacam-se a presença de sintomas dissociativos, sedação, cefaleia, tontura, náusea, aumento da pressão arterial, visão turva, boca seca, fadiga, vômito e dificuldade de coordenação. Além disso, alguns efeitos imediatos transitórios de natureza psicométrica, como ansiedade, disforia ou euforia, foram observados. A cetamina também pode causar alterações na frequência cardíaca e na pressão arterial, por isso é particularmente importante que o paciente seja monitorado durante a infusão.
Imagem: Tirachard Kumtanom/ Pexels.