Tudo começa com uma intensa sensação de desconforto. Algo não está certo, embora seja difícil identificar o quê. A tristeza não passa; torna-se cada vez mais forte, mais difícil de tolerar. A sensação se torna onipresente. Como escapar dela? Um dia o desagrado é tanto que não há vontade de fazer nada. Fica quase impossível levantar da cama, realizar tarefas diárias, trabalhar, dormir, interagir socialmente. A depressão pode se tornar tão prejudicial à vida das pessoas que a sofrem que anulam o próprio sentido da vida.
A realização de um diagnóstico adequado e uma consequente resposta terapêutica são de fundamental importância para lidar com esse transtorno. Geralmente, casos do tipo são tratados com antidepressivos e terapias psicológicas. Mas, para parte das pessoas, esses tratamentos costumam ter pouca ou nenhuma eficácia. O que fazer quando os tratamentos convencionais não funcionam?
Há vários anos, diferentes grupos de pesquisadores de diferentes formações se concentram em estudar os efeitos da cetamina, um analgésico dissociativo derivado da fenciclidina, também usado frequentemente de forma recreativa, para tratar a depressão nos casos em que os organismos resistem ao efeito dos remédios tradicionais. Este artigo explora os efeitos antidepressivos da cetamina, debatendo diferentes pesquisas atuais.
Tristeza, irritabilidade, sensação de vazio, perda de prazer e falta de interesse em realizar atividades da vida diária são sintomas que podem indicar a presença de um transtorno depressivo. Outros sintomas podem se somar a estes, como falta de concentração, sentimentos de culpa excessivos, baixa autoestima, desesperança no futuro, ideias recorrentes de morte e presença de distúrbios do sono. Os distúrbios variam consideravelmente de acordo com a intensidade, número, duração e gravidade dos sintomas. Como saber se você está triste ou se realmente está com depressão?
A única maneira de responder a essa pergunta é consultando um psiquiatra.
Deve-se considerar que o diagnóstico desses profissionais é norteado pela quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais da American Psychiatric Association (DSM-5), que classifica os episódios depressivos em menor ou maior grau. Os menores ocorrem quando os sintomas são leves e duram menos de duas semanas. Já os episódios depressivos maiores são aqueles que apresentam cinco ou mais sintomas com persistência superior a duas semanas, gerando desconforto clinicamente significativo na vida dos pacientes e deteriorando sua vida social e funcional.
Deve-se notar que a resposta sintomática aos tratamentos tradicionais, baseados na ingestão de antidepressivos, pode variar de um paciente para outro de acordo com as diferenças de cada organismo. A variabilidade individual de cada paciente em relação a esses tratamentos responde a fatores aleatórios e inespecíficos. Muitas vezes, a não remissão dos sintomas da depressão no âmbito dos tratamentos tradicionais pode tornar-se incapacitante, diminuindo a qualidade de vida e a produtividade das pessoas e provocando atitudes de isolamento que impactam diretamente no desempenho laboral e nos vínculos sociais e afetivos das pessoas.
É possível ainda englobar os quadros de depressão maior em casos nos quais o transtorno resiste a dois ou mais tratamentos tradicionais. Diante disso, diversos grupos de cientistas e pesquisadores se voltaram à cetamina graças aos seus potenciais efeitos antidepressivos. Conforme as pesquisas avançam, fica cada vez mais evidente que a substância é uma alternativa viável, devido à sua eficácia e rapidez de ação. Mas, em que reside esta potencialidade?
A cetamina foi sintetizada pela primeira vez em 1962, por Calvin Stevens. Desde então, tem sido utilizada na prática clínica como um anestésico. No entanto, o preconceito em relação ao seu uso recreativo acabou impedindo a realização de mais pesquisas na época.
Nos últimos anos, porém, vários pesquisadores passaram a estudar melhor a substância. No ano de 2000 Berman, Appiello e Anand publicaram os primeiros ensaios clínicos sobre o uso da cetamina para tratar a depressão resistente. Este trabalho demonstrou os efeitos benéficos da aplicação de doses subanestésicas de 0,5 mg/kg de cetamina em pacientes com transtornos depressivos, abrindo as portas para uma série de estudos posteriores com grande repercussão.
Entre estes últimos, destaca-se o ensaio clínico randomizado publicado por Murrough e colaboradores no ano de 2013, que avalia os efeitos antidepressivos da cetamina em um grupo de pacientes comparando com outro grupo ao qual se administrou midazolam, um ansiolítico e medicamentoso, como placebo ativo.
Os resultados deste ensaio mostram que o grupo que recebeu a cetamina atingiu uma taxa de resposta de 64% nas últimas 24 horas. de sua aplicação, enquanto o grupo que recebeu midazolam obteve uma taxa de resposta de um 28%, concluindo que a ketamina poderia servir como fármaco alternativo em aqueles casos em que os antidepressivos tradicionais não são percebidos como eficazes no tratamento para este transtorno.
Esses e outros estudos mostraram que a cetamina tem efeitos antidepressivos consistentes em termos de diminuição rápida dos sintomas de transtornos depressivos. Da mesma forma, os resultados desses estudos indicam que os efeitos da cetamina tendem a se manter por períodos mais longos do que os de outros medicamentos usadas para combater a depressão. Essas conclusões abrem a questão sobre o mecanismo de ação dessa substância no cérebro. Por que a cetamina funciona mais rápido do que outras substâncias antidepressivas? O que garante sua eficácia quando os tratamentos baseados na aplicação de medicamentos tradicionais não funcionam como esperado?
Uma pesquisa realizada por cientistas suecos do Instituto Karolinska e publicada em 2020 investigou como a cetamina age no cérebro de pacientes com transtornos depressivos submetidos a tratamentos com doses subanestésicas. Trata-se de um estudo baseado em imagens cerebrais por meio de tomografia por emissão de pósitrons, por meio do qual se observou como a cetamina age nesses pacientes.
O trabalho explica o fato de que o cérebro de pessoas que sofrem de algum tipo de depressão geralmente tem uma baixa densidade de receptores de serotonina 1 B. Isso sugere que os níveis de serotonina desempenham um papel fundamental no desenvolvimento da depressão, relacionando seus baixos níveis com a doença. De fato, o estudo em questão indica que aquelas pessoas com sintomas mais graves apresentam níveis mais baixos de serotonina no cérebro. Esse fato sugeriu aos pesquisadores a necessidade de questionar se existe relação entre os níveis de cetamina e serotonina e se isso poderia explicar os efeitos antidepressivos dessa substância.
Em sua primeira fase, o estudo feito pelo Instituto Karolinska fotografou o cérebro de um grupo de 30 pacientes com depressão resistente antes do tratamento. De todos os pacientes examinados, 20 receberam cetamina aleatoriamente, enquanto os 10 restantes receberam placebo. Entre 24 e 72 horas após a infusão, os cérebros foram examinados novamente.
A segunda fase do estudo consistiu em infusões de cetamina administradas a 29 pacientes com depressão resistente duas vezes por semana durante duas semanas. De acordo com os resultados desta fase, 70% dos pacientes que receberam as infusões responderam às infusões de acordo com uma escala de classificação de depressão.
Usando imagens de tomografia computadorizada, esta pesquisa descobriu, pela primeira vez, que a cetamina aumenta o número de receptores 1B de serotonina, ajudando as pessoas com depressão a regular seu humor. Assim, as conclusões deste trabalho sugerem que os efeitos antidepressivos da cetamina dependem de sua ação nesses receptores, que se manifesta muito rapidamente em comparação com outros antidepressivos.
Em maio de 2022, um grupo de cientistas da Northwestern University publicou um artigo examinando os mecanismos antidepressivos da cetamina no cérebro de camundongos. Segundo este estudo, os efeitos antidepressivos desta substância residem na sua rápida capacidade de aumentar a atividade de um grupo de neurônios recém-nascidos que fazem parte da neurogênese no curso do cérebro. De acordo com o que foi observado nesta pesquisa, a administração de cetamina induz a formação de sinapses em neurônios recém-nascidos, o que leva à ativação de outras células do hipocampo, produzindo efeitos comportamentais nos camundongos estudados.
De acordo com os pesquisadores da Northwestern, o mecanismo de ação de muitos antidepressivos diz respeito ao aumento da neurogênese. No entanto, ao contrário dos últimos, que levam várias semanas para fazer efeito, os efeitos da cetamina são quase imediatos. Isso acontece porque a cetamina aumenta a atividade de novos neurônios existentes em vez de criar novos. Os rápidos efeitos antidepressivos da cetamina poderiam então ser explicados por esse mecanismo.
Segundo os autores deste trabalho, a aplicação de cetamina acarreta uma série de efeitos colaterais adversos, como náuseas, vômitos, insônia e sonolência, além do risco de dependência. É por esta razão que se sugere que a administração desta substância para combater a depressão deve ser realizada por profissionais de saúde altamente qualificados e em ambientes hospitalares que possuam infraestrutura adequada, em virtude de controlar os possíveis efeitos indesejados.
Os estudos sobre a eficácia da cetamina no tratamento de transtornos depressivos estão aumentando constantemente. Uma das mais recentes e relevantes é a metanálise realizada pela equipe de Roger McIntyre, no American Journal of Psychiatry.
Com base nos resultados deste trabalho, há evidências que suportam a eficácia do início rápido (entre 1 e 2 dias) de escetamina e cetamina na depressão resistente. Notavelmente, isso é verdade para cetamina intravenosa e escetamina intranasal. Este último é até aprovado pelo FDA para distúrbios graves com ideação ou comportamento suicida. No entanto, o trabalho em questão estabelece que não há evidências suficientes para tirar conclusões semelhantes em relação à cetamina administrada por outras vias, como oral, subcutânea ou intramuscular.
Imagem: Andrea Piacquadio/ Pexels